PROVIMENTO DO RECURSO PARCIAL E OS EFEITOS SOBRE A PARTE DA DECISÃO NÃO RECORRIDA
- Raul Maia
- 23 de set. de 2020
- 25 min de leitura
Área do Direito: Civil; Processual Resumo: Neste estudo, analisa-se os efeitos do provimento do recurso parcial sobre a parte da decisão não recorrida. Palavras-chave: Recurso parcial – Provimento do recurso – Efeitos – Decisão não recorrida Abstract: This study analyzes the effects of the granting of partial appeal upon the non-appealed part. Keywords: Partial appeal – Granting of appeal – Effects – Non-appealed decision Sumário: 1 Apresentação - 2 O recurso de um dos litisconsortes a todos aproveita - 3 O recurso de um dos devedores solidários a todos aproveita - 4 A coisa julgada e a expansão subjetiva dos efeitos do recurso interposto - 5 A finalidade e o fundamento da regra do caput e do parágrafo único do art. 1.005 do CPC - 6 O princípio da igualdade - 7 Interpretação e integração - 8 Analogia como forma de suprir lacuna - 9 Conclusão
1 Apresentação
Conforme1 o art. 1.005, caput e parágrafo único, do CPC (LGL\2015\1656), o recurso de um dos litisconsortes ou de um dos devedores solidários a todos aproveita.
Nessa mesma linha de raciocínio, embora a hipótese seja diversa, mas pressupondo uma uniformidade de tratamento, imagine-se a seguinte questão: o autor pleiteia a condenação do réu ao ressarcimento das perdas e danos morais e materiais, numa cumulação simples de pedidos. A sentença julga procedentes ambos os pedidos. Por exemplo, o réu apela apenas contra a condenação ao ressarcimento de danos morais (recurso parcial). Dir-se-á que, em relação à condenação ao pagamento de danos materiais, ocorreu o trânsito em julgado. Formou-se a coisa julgada material e o cumprimento de sentença é definitivo. Todavia, o Tribunal dá provimento ao recurso do réu, seja porque reconheceu uma ilegitimidade (defesa processual), seja porque reconheceu a ausência de culpa (defesa de mérito). Pergunta-se: não seria o caso, à semelhança do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), por uma questão de uniformidade de tratamentos, de se “atingir” a condenação ao pagamento dos danos materiais?
Para responder a esta questão, necessário, primeiro, compreender os fundamentos e a finalidade da norma positivada no art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656).
2 O recurso de um dos litisconsortes a todos aproveita
O art. 1.005, caput, do CPC (LGL\2015\1656) dispõe sobre os efeitos do recurso interposto por um dos litisconsortes em relação aos demais que não recorreram: “art. 1.005. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses.”
Trata-se, assim, de um efeito do julgamento do recurso, e não de sua interposição, a que se denomina de efeito expansivo.
Conforme Nelson Nery Júnior2, classifica-se o efeito expansivo em subjetivo e objetivo, este, por sua vez, pode ser classificado em objetivo interno e objetivo externo.
Cassio Scarpinella Bueno3 ensina que “o efeito expansivo subjetivo, por sua vez, diz respeito às consequências do provimento do recurso quanto aos sujeitos do processo e não aos atos processuais”.
Importante registrar que, segundo Flavio Cheim Jorge4, “o único efeito – em sentido técnico – que pode ser atribuído aos recursos é o efeito devolutivo”. Para ele5, todos os demais efeitos seriam “decorrências naturais do efeito devolutivo ou consequências da existência de uma nova fase processual”.
O art. 509 do CPC/1973 (LGL\1973\5) possuía a mesma redação do art. 1.005 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), em virtude do que se pode aproveitar a doutrina e a jurisprudência formadas na vigência do código anterior.
2.1 Litisconsórcio unitário ou simples? O litisconsórcio pode ser classificado, quanto à exigência de participação de todos os litisconsortes no processo, em necessário ou facultativo. Por outro lado, em relação à homogeneidade de julgamento para todos os litisconsortes, classifica-se o litisconsórcio em unitário ou simples. A regra básica é a de que existe uma autonomia ou, como preferir, uma independência entre os litisconsortes, nos termos do art. 118 do CPC (LGL\2015\1656): “art. 118. Cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo, e todos devem ser intimados dos respectivos atos.” Para Nelson Nery Junior e Rosa Maria De Andrade Nery6, “cada litisconsorte é considerado parte distinta dos demais”. Cândido Rangel Dinamarco7 lecionava, no regime do Código de Processo Civil de 1973, assim sobre a independência dos litisconsortes: “O princípio da independência dos litisconsortes (ou autonomia) é, como já se foi adiantando, inerente ao litisconsórcio comum, a que a maior parte da doutrina, com respaldo inclusive na linguagem germânica, costuma chamar litisconsórcio simples (einfach). Ele se mostra completamente compatível com o sistema e com o próprio conceito doutrinário do litisconsórcio, que, apesar da aparência que o nome talvez pudesse induzir, não implica necessariamente um ‘consórcio’ entre os co-litigantes, nem significa que todos hajam de ter em todos os casos a mesma fortuna no processo, a mesma sors”. E concluía Candido Rangel Dinamarco8: “Por isso, no litisconsórcio comum é plenamente concebível que, em face da atuação mais profícua e inteligente de um dos litisconsortes na fase postulatória ou na instrução da causa, ou mesmo de um ato dispositivo que não seja de todos os litisconsortes, ou ainda de eventuais diferenças entre as situações destes perante o direito material, o julgamento de mérito deixe de ser homogêneo (unitário) para todos eles. Tudo isso é reflexo da natureza do objeto do processo, que nesses casos permite soluções diferentes para os litisconsortes, daí decorre a possibilidade de julgamentos de mérito heterogêneos e, consequentemente, de heterogêneas situações jurídico-processuais de cada um destes, ao longo do procedimento. Assim é que a atitude de cada um no processo irá influir apenas no seu destino, aumentando ou reduzindo sua possibilidade de vitória, sem atingir o litisconsorte.” Barbosa Moreira9, ao comentar o art. 509 do CPC/1973 (LGL\1973\5), dizia que a extensão subjetiva do recurso aos demais litisconsortes pressupõe que se trate de litisconsórcio unitário: “Ao litisconsórcio unitário, e somente a ele, deve aplicar-se o disposto no art. 509, caput, porque a extensão dos efeitos do recurso aos co-litigantes omissos não tem senão uma razão de ser, que é precisamente a de impedir a quebra da uniformidade na disciplina da situação litigiosa.” No regime do Código de Processo Civil de 1973, Manoel Caetano Ferreira Filho10 sustentava, também, incidir a norma do art. 509 somente ao litisconsórcio unitário: “O caput ora examinado somente é aplicável aos casos de litisconsórcio unitário, pois se de litisconsórcio simples se tratar, a regra a incidir será aquela do art. 48, pela qual os recursos de um litisconsorte ‘não prejudicarão nem beneficiarão os outros’. Ou seja, sempre que não for possível decidir a lide de modo diverso para os litisconsortes, o recurso por um deles interposto não aproveitará a todos.” No mesmo sentido era a lição de Nelson Nery Júnior11, restringindo a aplicação da norma do art. 509, do CPC/1973 (LGL\1973\5) apenas quando se tratasse de litisconsórcio unitário. Atualmente, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero12 defendem que a norma do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656) incide, apenas, em se tratando de litisconsórcio unitário: “O art. 1.005, caput, só se aplica ao litisconsórcio submetido a regime especial (litisconsórcio unitário), porque somente aí há a necessidade de manter-se, à vista da natureza incindível da relação jurídica material afirmada em juízo, a uniformidade da disciplina da sentença. Ao litisconsórcio simples (regime comum do litisconsórcio) não se aplica o art. 1.005, caput, do CPC (LGL\2015\1656). A aplicação do art. 1.005, caput, do CPC (LGL\2015\1656), ao litisconsórcio simples viola o art. 116, CPC/15 (LGL\2015\1656). O efeito expansivo subjetivo dos recursos, por conta do caput do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), pressupõe a unitariedade do litisconsórcio.” Da mesma forma, Luis Guilherme Aidar Bondioli13 leciona que, somente no caso de litisconsórcio unitário, aplica-se a regra do caput do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656): “A regra tem endereço certo: o litisconsórcio unitário, ou seja, a reunião de pessoas que, pela natureza da relação jurídica, reclama decisão uniforme de mérito para todos, nos termos do art. 116 do CPC (LGL\2015\1656).” grifos do autor Para Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery14, o caput do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656) versa somente sobre litisconsórcio unitário, assim como para Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha15. Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck16 esclarecem que nem a todos os litisconsortes unitários tal regra se aplica, sendo necessário avaliar o caso concreto: “A regra do caput tem em mira o litisconsórcio unitário: se a situação jurídico-material objeto do processo é uma e incindível (art. 116), o resultado recursal obtido por um dos litisconsortes, relativamente a essa situação, atingirá os demais. Mas mesmo entre litisconsortes unitários essa extensão subjetiva pode não se pôr.” Importante registrar que, em outra passagem, Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck17 ressalvam que, a depender da situação, o recurso pode ou não aproveitar ao litisconsorte unitário e, até mesmo, ao litisconsorte simples: “E, então, poderão surgir situações que fogem do padrão normalmente afirmado: recursos interpostos por litisconsortes unitários não se estenderão aos demais e recursos interpostos por litisconsortes simples estendendo-se aos demais.” Teresa Arruda Alvim18 compreende que a norma do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656) aplica-se não só ao litisconsórcio unitário, mas também ao litisconsórcio simples: “Portanto, ainda que haja entendimento no sentido de que esta regra só se aplicaria ao litisconsórcio unitário, indubitavelmente, interpretação sistemática do novo Código não permite que se mantenha esta interpretação, se é que é acertada à luz do CPC/1973 (LGL\1973\5).” Ressalte-se, assim, que, segundo Teresa Arruda Alvim, dada a necessidade imposta de uniformidade de interpretação da norma jurídica, pilar do Código de Processo Civil de 2015, a regra do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656) aplica-se tanto ao litisconsórcio unitário quanto ao simples. Da mesma forma, Jorge Amaury Nunes19 sustenta que “é conveniente admitir que defesas comuns, mesmo em litisconsórcio simples, podem possuir essa capacidade de extensão subjetiva”. Como se vê, há tendência doutrinária no sentido de prestigiar o entendimento anterior ao novo Código de Processo Civil, a fim de prevalecer a tese de que o caput do art. 1.005 aplica-se apenas ao litisconsórcio unitário. No entanto, para este estudo, o mais importante é compreender os argumentos doutrinários, seja para defender a aplicação apenas para o litisconsórcio unitário, seja para sustentar a incidência em ambos os casos (unitário e simples), isto é: uma uniformidade de tratamento para os litisconsortes que se encontrem na mesma situação, ainda que um só tenha recorrido, em virtude do que o recurso de um a todos aproveita. Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck20 ressaltam que “a uniformidade de tratamento é uma imposição da própria incindibilidade da situação jurídica litigiosidade em que os litisconsortes se encontram”.
2.2 Os julgados do superior tribunal de justiça, a respeito do litisconsórcio ser unitário ou simples No sistema do Código de Processo Civil de 1973, o Superior Tribunal de Justiça possuía jurisprudência dominante favorável à aplicação da norma do art. 509 do CPC (LGL\2015\1656) apenas ao litisconsórcio unitário: “Processo civil. A norma do art. 509 do Código De Processo Civil só é aplicável aos casos de litisconsórcio unitário. Nos termos do art. 509, caput, do atual Código de Processo Civil, ‘o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses’, e assim também era no Código de Processo Civil de 1939, com a só diferença que neste se dizia ‘aproveitará’. A norma deve ser interpretada sob o influxo do art. 48 do Código de Processo Civil vigente, a cujo teor, ‘salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros’. A regra, portanto, é a de que os litisconsortes devem, cada qual, cumprir os ônus processuais (v.g., provas, recursos, etc.); a exceção diz respeito unicamente à aquela espécie de litisconsórcio em que a solução deve ser uniforme para todos os litisconsortes, quer dizer, quando se trata de litisconsórcio unitário” (EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 988.735, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, rel. para acórdão Ari Pargendler, 1ª T., j. 11.02.2014, publicado em 15.04.2014). Tal julgado do Superior Tribunal de Justiça confirma acórdão anterior da própria Corte: “No caso concreto, por não ser hipótese de litisconsórcio unitário, o recurso interposto por um dos litigantes não aproveita aos demais, o que retira da recorrente qualquer possibilidade de extensão, em seu favor, dos efeitos do provimento dos agravos de instrumento interpostos pelos litisconsortes” (REsp 827.935, rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., j. 15.05.2008, publicado em 27.08.2008). Entretanto, existe acórdão do Superior Tribunal de Justiça admitindo a incidência do art. 509 do CPC/1973 (LGL\1973\5) também ao litisconsórcio simples, com vistas a garantir a igualdade de tratamento: “É evidente que, no caso em exame, tem aplicação a regra do artigo 509 do estatuto processual civil. Embora a hipótese dos autos trate de litisconsórcio facultativo, a demanda não comporta solução desigual para os integrantes do pólo ativo do writ. Todos os litisconsortes são sociedades de advogados com sede no Município do Rio de Janeiro razão por que, necessariamente, lhes deve ser conferido o mesmo tratamento tributário, sob pena de perpetrar injustiças” (REsp 292.596, 2ª T., rel. Min. Franciulli Netto, j. 25.11.2003, publicado em 10.05.2007). Na vigência do Código de Processo Civil de 2015, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou o entendimento de que somente ao litisconsórcio unitário se aplica o efeito expansivo subjetivo do recurso: “Em não se caracterizando litisconsórcio unitário, a interposição de recurso pelo litisconsorte não aproveita aos demais. Inteligência do art. 1.005 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)” (REsp 1.767.406, 2ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, j 19.03.2019, publicado em 22.03.2019). Em princípio, a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, tanto no regime do CPC/1973 (LGL\1973\5) quanto no sistema do CPC/2015 (LGL\2015\1656), reconhece que o efeito expansivo subjetivo do recurso de um dos litisconsortes aproveita aos demais apenas na hipótese de litisconsórcio unitário. Aparentemente, reproduzido o texto do art. 509 do CPC/1973 (LGL\1973\5) no art. 1.005 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), mantém-se o mesmo posicionamento jurisprudencial. Entretanto, vale lembrar o julgado (REsp 292.596) que, a fim de impedir injustiça, consistente num tratamento não uniforme para os litisconsortes, reconheceu a aplicação do artigo 509 do CPC/1973 (LGL\1973\5) também ao litisconsórcio simples.
3 O recurso de um dos devedores solidários a todos aproveita
A norma do parágrafo único do art. 1.005 do CPC determina, à semelhança do caput, que se aproveite o recurso interposto pelo outro litisconsorte, quando se tratar de devedores solidários:
“Art. 1.005. (...)
Parágrafo único. Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns.”
Nesse caso, não há, em princípio, relação única de direito material e, logo, não se trata de litisconsórcio unitário. A respeito, veja-se a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero21:
“O art. 1.005, parágrafo único, CPC/15 (LGL\2015\1656), estende os efeitos da interposição de um recurso por um litisconsorte, em regra, simples aos demais consortes, desde que se afirme entre eles solidariedade. Trata-se de caso particular em que há extensão subjetiva do recurso sem que exista litisconsórcio unitário,”
Barbosa Moreira22 ressaltava que, no caso de solidariedade, não há propriamente um litisconsórcio unitário e, mesmo assim, por força do parágrafo único do art. 509 do CPC/1973 (LGL\1973\5), operava-se a extensão subjetiva dos efeitos do recurso:
“Não obstante, legem habemus: os efeitos do recurso interposto por um dos co-devedores solidários estender-se-ão aos seus litisconsortes, a despeito de não ser unitário o consórcio, desde que se trate de defesas comuns, sobre as quais se haja de pronunciar o órgão ad quem.”
Luis Guilherme Aidar Bondioli23 afirma que, “por opção do legislador”, aos devedores solidários incide o efeito expansivo subjetivo do recurso:
“Todavia, por opção do legislador, nas hipóteses de solidariedade passiva e defesa comum, estabeleceu-se que o ‘recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros’ (art. 1.005, parágrafo único, do CPC (LGL\2015\1656)). É preciso que tanto a solidariedade passiva quanto a comunhão de defesa estejam presentes no processo e no recurso interposto para que este beneficie os devedores inertes.”
Da mesma forma, para Flavio Cheim Jorge24, “ainda que não se trate de litisconsórcio unitário, o legislador optou por estender os efeitos do recurso interposto por um dos réus aos demais, excepcionando o princípio da autonomia dos litisconsortes (art. 11, primeira parte)”.
Assim, o efeito expansivo subjetivo do recurso opera-se tanto a favor dos litisconsortes unitários (caput do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656)) quanto dos devedores solidários (parágrafo único do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656)), caso em que o litisconsórcio não é, necessariamente, unitário. A finalidade é evitar o tratamento não uniforme para os devedores solidários, como informam Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck25:
“O que a regra objetiva é evitar que surjam contradições lógicas no tratamento dado aos devedores solidários por ocasião do julgamento do recurso interposto por um ou por alguns deles – i.e., evitar que o tratamento uniforme que tenha sido dado aos litisconsortes pela decisão recorrida deixe de existir em função do julgamento do recurso interposto por apenas um ou alguns deles. É uma regra de exceção no sistema.”
Noutras palavras, a fim de assegurar a uniformidade de tratamento, o parágrafo único do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656) impõe a extensão subjetiva dos efeitos dos recursos para os devedores solidários, hipótese de litisconsórcio facultativo.
4 A coisa julgada e a expansão subjetiva dos efeitos do recurso interposto
Em seu clássico Litisconsórcio Unitário, escrito em 1972, portanto, no sistema do CPC/1939 (LGL\1939\3), mas quando já tramitava o CPC/1973 (LGL\1973\5), Barbosa Moreira ensinava sobre a questão do trânsito em julgado e, por conseguinte, da coisa julgada, quando se tratasse de litisconsórcio unitário.
De início, Barbosa Moreira26 expôs a questão do trânsito em julgado da decisão para um dos litisconsortes, enquanto passível de mudança a decisão para o(s) outro(s):
“Para assegurar a consecução do fim a que se ordena o regime especial, não basta que o litígio receba solução uniforme em primeira instância. Enquanto subsiste a possibilidade de reforma, através da interposição e julgamento de recurso, também subsistiria, em princípio, o risco de quebra de homogeneidade, se, no tocante a algum (ou alguns) dos co-autores ou dos co-réus, desde logo se cristalizasse em res iudicata a regulamentação fixada para a situação litígios, e no concernente ao(s) outro(s) permanecesse aberta a reexame.”
Em seguida, Barbosa Moreira27 apontou a solução para tal questão, isto é, o trânsito em julgado opera-se apenas contra todos os litisconsortes simultaneamente, quando transitar em julgado o último recurso:
“A primeira conclusão que se tira é a de que somente em face da totalidade dos co-litigantes unitários pode transitar em julgado a decisão de mérito ou outra que excepcionalmente, por sua repercussão na disciplina da situação litigiosa, haja de sujeitar-se ao regime especial.”
Assim, por exceção, não ocorre a coisa julgada para um dos litisconsortes (trânsito em julgado parcial), enquanto existir recurso pendente de julgamento de outro(s) litisconsorte(s), conforme Barbosa Moreira28: “Vale dizer que não produz efeitos para nenhum, se e enquanto não os produz para todos, qualquer dos fatos em princípio idôneos a fazer passar em julgado a sentença.” Grifos autor
Barbosa Moreira29 esclareceu, inclusive, que os efeitos do recurso interposto favorecem a todos, inclusive aos que não recorreram:
“A interposição do recurso por um (ou alguns) dos litisconsortes unitários, ou pela parte contrária em face de um (ou alguns) deles nas condições acima expostas, é bastante para que produzam, em relação a todos, os efeitos que a lei atribua ao recurso interposto.”
Noutras palavras, o efeito obstativo (impede a preclusão ou a coisa julgada), suspensivo (impede o cumprimento da sentença) e o devolutivo (devolve ao tribunal a matéria impugnada, seja no seu aspecto horizontal, seja no seu aspecto vertical) estendem-se a todos os litisconsortes, mesmo para os que não recorreram:
“Para a totalidade dos co-litigantes não apenas se obsta o trânsito em julgado da decisão, mas também se devolve à instância superior, se for o caso, o conhecimento da matéria litigiosa, nos limites da impugnação oferecida; e, ainda, quando suspensivo o recurso, permanece ineficaz (e portanto inexequível), si et in quantum, a sentença. Será provisória a execução acaso instaurada, na pendência de recurso não suspensivo, contra qualquer deles, ou por qualquer deles contra a outra parte.”
Veja-se que, interposto recurso sem efeito suspensivo por apenas um dos litisconsortes, o cumprimento da sentença contra o litisconsorte que não recorreu da decisão é provisório.
Segundo Barbosa Moreira30, “devem considerar-se todos os litisconsortes como partes no procedimento recursal. Inclusive o(s) que porventura haja(m) aquiescido à decisão ou renunciado ao recurso”.
No regime do Código de Processo Civil de 2015, Luis Guilherme Aidar Bondioli31 ratifica o entendimento de Barbosa Moreira, ao comentar o art. 1.005: “Prolonga-se a litispendência, impede-se a execução quando dotado o recurso de eficácia suspensiva, devolve-se também em seu favor a matéria inserida no recurso etc.”
De outro lado, Elie Pierre Eid32 aponta as várias correntes doutrinárias que tentaram solucionar a difícil questão do litisconsórcio facultativo e unitário, com a finalidade de evitar conflito entre as diversas decisões (contrárias) sobre a mesma relação jurídica.
Elie Pierre Eid33, com base no Código de Processo Civil de 2015, que não proíbe que a coisa julgada beneficie quem não foi parte (art. 50634 do CPC (LGL\2015\1656)), conclui que tal foi a melhor solução dentre as possíveis:
“Embora tenha enfrentado conhecidas críticas, baseadas no desrespeito ao princípio da igualdade, reputamos ter caminhado bem o Código de 2015 em adotar a coisa julgada secundum eventum litis por ser, dentre as possíveis formas de vinculação de terceiros à coisa julgada formada inter alios, a menos prejudicial.”
Note-se que o fundamento aqui consiste, também, na proteção do princípio da igualdade.
5 A finalidade e o fundamento da regra do caput e do parágrafo único do art. 1.005 do CPC
A finalidade das normas, insertas no caput e no parágrafo único do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), é simples: assegurar uma uniformidade de tratamento aos litisconsortes e aos devedores solidários.
A propósito, leia-se o ensinamento de Teresa Arruda Alvim35: “Estes dispositivos, o art. 1.005 e seu parágrafo único, têm por escopo evitar decisões contraditórias ou desarmônicas dentro do mesmo processo”.
Noutra obra, Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello36 reforçam a ideia de aplicação desta regra a todos os casos, além dos expressamente previstos no art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), a fim de não causar uma situação de irracionalidade inadmissível: “Aplica-se também aos assistentes litisconsorciais e a todos os casos em que se não aplicada a regra, a situação configurada seria de uma irracionalidade inadmissível”.
Adiante, Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello37 sustentam que a finalidade da norma é impedir que ocorra uma desarmonia intolerável dentro do mesmo processo: “Importa que a situação dos autores, ou dos réus, seja igual para que não se crie uma desarmonia intolerável dentro do mesmo processo”.
Não era outra a lição de Barbosa Moreira38, ao comentar o art. 509 do CPC/1973 (LGL\1973\5):
“O critério decisivo que deve orientar assim o julgador como o intérprete é o teológico. Parta-se desta indagação: a que fim se visa, na verdade, quando se estendem aos litisconsortes B e C os efeitos do recurso interposto por A. Ora, que explicação pode achar esse propósito? É claro: a necessidade, que se sente de evitar a dualidade de regulamentações acerca da matéria versada no recurso.” Grifos autor
Definida a finalidade das normas previstas no caput e no parágrafo único do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), importante, em seguida, esclarecer o fundamento delas.
O fundamento consiste no princípio da igualdade, que assegura tratamento idêntico a pessoas que se encontrem numa mesma situação jurídica.
6 O princípio da igualdade
Remonta a Aristóteles, a ideia de que se deve “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.
Posteriormente, na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, afirmou-se que “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem se basear na utilidade comum”. Por sua vez, na Declaração Universal dos Direitos do Homem – ONU, de 1948, findo o terror da Segunda Guerra Mundial, proclamou-se que
“todos são iguais perante a lei e têm direito sem distinção a uma equitativa proteção da lei. Todos têm direito a uma proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitação a uma tal discriminação.”
Por fim, na Constituição Federal do Brasil, de 1988, o art. 5º assegurou, no caput e no inciso I que:
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” e, depois, no inciso I, “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
Apesar de, num primeiro momento, tais “declarações” conduzissem a uma igualdade meramente formal alcançou-se a partir delas a ideia de uma igualdade material, proporcional ou distributiva, que, diante da diferença existente entre as pessoas ou as situações, determina tratamentos diferenciados, a fim de compensar a desigualdade existente, como já asseverava Aristóteles.
Nelson Nery Júnior39 explica, no direito processual civil, a aplicação do princípio da igualdade:
“O art. 5º, caput e o inciso I, da CF de 1988 estabelecem que todos são iguais perante a lei. Relativamente ao processo civil, verificamos que o princípio da igualdade significa que os litigantes devem receber do juiz tratamento idêntico.”
Não obstante Nelson Nery Junior estar, nitidamente, escrevendo sobre as partes que se encontram em polos distintos da relação jurídico-processual, nada impede que se aplique tal lição para os litisconsortes. E, assim, pessoas que se encontrem na mesma situação jurídica devem receber a mesma solução judicial, na forma do art. 1.005, caput e parágrafo único, do CPC (LGL\2015\1656).
7 Interpretação e integração
Não se confundem a interpretação e a integração.
A interpretação visa fixar o significado e delimitar o alcance da norma. Diga-se que qualquer texto legal deve ser interpretado. Não se compadece com o atual estágio da ciência jurídica o antigo brocardo in claris non fit interpretation.
A partir da interpretação do texto legal extrai-se a norma jurídica. A norma jurídica pode ser tanto um princípio quanto uma regra.
Os métodos de interpretação consistem no literal ou gramatical, que busca o significado das palavras; o lógico-sistemático, que pressupõe que o sistema não admite contradições/paradoxos; o histórico, que analisa a evolução dos institutos; o comparativo, que compara nosso ordenamento jurídico com os estrangeiros; o teleológico, que visa alcançar a finalidade da norma jurídica.
Como anteriormente exposto, para Barbosa Moreira40, o método teleológico leva à conclusão de que a regra (do art. 509 do CPC/1973 (LGL\1973\5) e, assim, do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656)) seja aplicada ao litisconsorte que não interpôs recurso, com a finalidade de coibir “a dualidade de regulamentações acerca da matéria versada no recurso”. Grifos autor
Por sua vez, realizada a interpretação pode-se alcançar os seguintes resultados: declarativo, restritivo, extensivo e revogante (ab-rogada – total – ou derrogada – parcialmente).
Por sua vez, a integração destina-se a buscar, no ordenamento jurídico, uma solução para um caso, na medida em que não há regra específica para ele (lacuna), conforme o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro, por meio da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito.
7.1 Interpretação extensiva x analogia Observe-se que, na questão posta neste estudo, não se trata de interpretação extensiva da norma positivada no art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), que versa sobre os litisconsortes, unitários e/ou simples, e os devedores solidários (litisconsortes simples), mas, sim, de aplicação por analogia a réu único que não recorreu de um dos pedidos julgados procedentes. Diga-se, aqui, que a distinção entre interpretação extensiva e analogia não é simples, como anota Maria Helena Diniz41: “De modo que se tornou difícil saber onde termina a interpretação e começa a analogia”. Maria Helena Diniz42 expõe a diferença entre interpretação extensiva e analogia nos seguintes termos: “A interpretação extensiva, ao admitir que a norma abrange certos fatos-tipos ainda que implicitamente dentro do espírito da lei (ratio legis), não é considerada como instrumento integrador. A norma possui um cerne significativo e uma zona de penumbra, sendo que sua aplicação dentro dos limites dessa zona de penumbra é interpretação. Já na aplicação analógica o juiz terá que ir além do próprio texto legislativo que rege situações típicas, mas que, por razões de similitude, poderia abarcar outras, indo, portanto, além dos limites da sua zona de penumbra.” Na interpretação extensiva, amplia-se o próprio conteúdo da norma jurídica analisada, porque ela diz menos do que deveria. Por exemplo, a aplicação do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656) ao assistente litisconsorcial opera-se por uma interpretação extensiva. Com a analogia, forma de integração do ordenamento jurídico, aplica-se uma norma jurídica prevista para uma determinada situação a outra diferente, embora semelhante, para a qual não existe previsão legal. É o caso da questão sob análise neste estudo, na qual existe recurso parcial de réu único.
8 Analogia como forma de suprir lacuna
O art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro dispõe sobre a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito como formas de integração do ordenamento jurídico: “Art.4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Em seu clássico Hermenêutica e Aplicação do Direito, Carlos Maximiliano43 explica que “a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante”.
Por sua vez, Maria Helena Diniz44 define, assim, a analogia:
“Para integrar lacunas, o juiz recorre, preliminarmente, à analogia, que consiste aplicar a um caso não regulado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma prescrição normativa prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado, fundando-se na identidade do motivo da norma e não na identidade do fato.”
Antigo brocardo jurídico romano dizia que: onde se depare razão igual à da lei, ali prevalece a disposição correspondente, da norma referida (ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio).
Adiante, Carlos Maximiliano45 explica o fundamento da analogia, qual seja, a igualdade jurídica:
“Funda-se a analogia, não como se pensou outrora, na vontade presumida do legislador, e, sim, no princípio da verdadeira justiça, de igualdade jurídica, o qual exige que as espécies semelhantes sejam reguladas por normas semelhantes.” Grifos autor
Não é outra a lição de Maria Helena Diniz46:
“A doutrina que funda a analogia na igualdade jurídica parece ser a mais satisfatória, já que o processo analógico constitui um raciocínio ‘baseado em razões relevantes de similitude’, fundando-se na identidade de razão, que é o elemento justificador da aplicabilidade da norma a casos não previstos, mas, substancialmente, semelhantes, sem contudo ter por objetivo perscrutar o exato significado da norma, partindo, tão somente, do pressuposto de que a questão sub judice, apesar de não se enquadrar no dispositivo legal, deve cair sob sua égide por semelhança de razão.” Grifos autor
Como visto, o fundamento do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), ao atribuir efeito expansivo subjetivo ao recurso interposto por um dos litisconsortes ou por um dos devedores solidários aos demais, consiste na aplicação do princípio da igualdade, justamente o que norteia a aplicação da analogia.
9 Conclusão
Ao concluir, vale lembrar a questão sob análise: o autor pleiteia a condenação do réu único ao ressarcimento das perdas e danos morais e materiais, numa cumulação simples de pedidos. A sentença julga procedentes ambos os pedidos. Por exemplo, o réu apela apenas contra a condenação ao ressarcimento de danos morais (recurso parcial). Dir-se-á que, em relação à condenação ao pagamento de danos materiais, ocorreu o trânsito em julgado. Formou-se a coisa julgada material e o cumprimento de sentença é definitivo. Todavia, o Tribunal dá provimento ao recurso do réu, seja porque reconheceu uma ilegitimidade (defesa processual), seja porque reconheceu a ausência de culpa (defesa de mérito). Pergunta-se: não seria o caso, à semelhança do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), por uma questão de uniformidade de tratamento, de se “atingir” a condenação ao pagamento dos danos materiais?
Diga-se que não se trata de litisconsórcio (caput, do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656)) nem de devedores solidários (§ 1º, do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656)). A bem da verdade, no exemplo dado, tem-se um único réu, inexiste litisconsórcio, por isso, não se pode interpretar extensivamente o art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), a fim de alcançar a questão ora discutida, mas, sim, por analogia, aplicar a situações semelhantes, a mesma solução jurídica, com base na mesma razão (uniformidade de tratamento), a fim de assegurar a igualdade jurídica.
Ao contrário, a incidência da regra do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656) ao assistente litisconsorcial dá-se por interpretação extensiva.
A relação jurídica de direito material é a mesma, fundada no mesmo fato jurídico que ensejou a propositura da demanda judicial, na qual se pleiteou o ressarcimento das perdas e danos materiais e morais, numa cumulação simples de pedidos. Tanto a ilegitimidade quanto a ausência de culpa repercutem nos dois pedidos, julgados procedentes em primeiro grau, para condenar o réu único ao ressarcimento de perdas e danos materiais e morais.
Para mim, faz todo sentido que, por analogia, se aplique a regra contida no art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), porque, caso contrário, o réu deverá ressarcir os danos materiais, embora haja a ilegitimidade (defesa processual) ou a ausência de culpa (defesa de mérito), que afastou a condenação ao pagamento dos danos morais (e que também afasta a condenação ao pagamento dos danos materiais!).
A meu ver, causa uma “situação de irracionalidade inadmissível” ou uma “desarmonia intolerável dentro do mesmo processo” o único réu ser condenado a ressarcir os danos materiais, porque não recorreu deste capítulo da sentença (recurso parcial), mas não ser condenado ao pagamento dos danos morais, porque, ao julgar o recurso, o tribunal deu provimento à apelação, por uma defesa processual ou por uma defesa de mérito, que atinge a outra condenação também.
Insisto: fosse a hipótese de litisconsórcio (caput) ou de devedores solidários (parágrafo único), o recurso de um dos litisconsortes a todos aproveitaria, por conta do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656), com o intuito de preservar a uniformidade de tratamento, em obediência ao princípio da igualdade. Muito mais irracional ou desarmônico é, como no exemplo dado, quando se trata da mesma pessoa (não existe litisconsórcio) que recorreu de parte da sentença (recurso parcial), ela pagar uma condenação (dano material) mas não pagar a outra (dano moral), porque o recurso, dela mesma, não atingiria a parte da decisão não recorrida.
Por essas razões, concluo que, por analogia, a regra do art. 1.005 do CPC (LGL\2015\1656) aplica-se à parte não recorrida da sentença, quando o tribunal dá provimento ao recurso parcial do réu único, afastando a condenação ao pagamento da parcela recorrida, por fundamento que atinge a ambos os capítulos da sentença (recorrido e não recorrido), em virtude do que, neste caso, não há que se falar em trânsito em julgado (parcial) da condenação não recorrida nem de coisa julgada material.
1 Dedico este artigo ao meu amigo de infância Maurício Andreiuolo, que me presenteou com dois livros indispensáveis para a minha (e a de qualquer um) biblioteca, quais sejam, Litisconsórcio Unitário e a Primeira Série dos Temas de Direito Processual Civil, ambos do Professor José Carlos Barbosa Moreira, de quem ele foi aluno na UERJ. A dedicatória do Professor Barbosa Moreira para o Maurício no Litisconsórcio Unitário, obra fundamental para este artigo, revela a grandeza do meu querido amigo. 2 Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 477-482. 3 Curso sistematizado de direito processual civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 589. v. 2. 4 Teoria geral dos recursos cíveis. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 340. 5 Teoria geral dos recursos cíveis. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 340. 6 Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 533. 7 Litisconsórcio: um estudo sobre o litisconsórcio comum, unitário, necessário, facultativo. São Paulo: Ed. RT, 1984. p. 89. 8 Litisconsórcio: um estudo sobre o litisconsórcio comum, unitário, necessário, facultativo. São Paulo: Ed. RT, 1984. p. 86-88. 9 Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 379 e 381. v. V. 10 Comentários ao Código de Processo Civil. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. (Coord.). São Paulo: Ed. RT, 2001. p. 74. v. VIII. 11 Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 479. 12 Comentários ao Código de Processo Civil. MARINONI, Luiz Guilherme (Diretor); ARENHART, Sérgio Cruz e MITIDIERO, Daniel (Coords.). São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 188 e 189. v. XVI. 13 Comentários ao Código de Processo Civil. GOUVÊA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luis Guilherme A. e FONSECA, João Francisco N. da (Coords.). São Paulo: Saraiva, 2006. p. 69. v. XX. 14 Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 2036. 15 Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: Juspodium, 2016. p. 147. v. 3. 16 Comentários ao Código de Processo Civil. BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017. p. 385. v. 4. 17 Comentários ao Código de Processo Civil. BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017. p. 386. v. 4. 18 Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. CABRAL, Antonio do Passo e CRAMER, Ronaldo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1502. 19 Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Orgs.). FREIRE, Alexandre (Coord. Executivo). São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1363. 20 Comentários ao Código de Processo Civil. BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017. p. 385. v. 4. 21 Comentários ao Código de Processo Civil. MARINONI, Luiz Guilherme (Diretor); ARENHART, Sérgio Cruz e MITIDIERO, Daniel (Coords.). São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 189. v. XVI. 22 Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 379 e 381. v. V. 23 Comentários ao Código de Processo Civil. GOUVÊA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luis Guilherme A. e FONSECA, João Francisco N. da (Coords.). São Paulo: Saraiva, 2006. p. 71. v. XX. 24 Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 3. ed. ARRUDA ALVIM, Teresa; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (Coords.). São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 2479. 25 Comentários ao Código de Processo Civil. BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017. p. 391. v. 4. 26 Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 207. 27 Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 207-208. 28 Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 208. 29 Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 213. 30 Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 207. 31 Comentários ao Código de Processo Civil. GOUVÊA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luis Guilherme A. e FONSECA, João Francisco N. da (Coords.). São Paulo: Saraiva, 2006. p. 71-72. v. XX. 32 Litisconsórcio unitário: fundamentos, estrutura e regime. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 197-249. 33 Litisconsórcio unitário: fundamentos, estrutura e regime. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 257. 34 Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros. O art. 472 do CPC/1973 dispunha que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. A mudança do texto legal importa numa revisão da extensão subjetiva da coisa julgada. 35 Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. CABRAL, Antonio do Passo e CRAMER, Ronaldo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1501. 36 Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 1435 – destacou-se. 37 Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 1436 – destacou-se. 38 Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 379 e 381. v. V. 39 Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1995. p. 40. (Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman. Orientação Arruda Alvim). 40 Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 379 e 381. v. V. 41 As lacunas no direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 178. 42 As lacunas no direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 178-179. 43 Hermenêutica e aplicação do direito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 208. 44 As lacunas no direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 140-141. 45 Hermenêutica e aplicação do direito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 210. 46 As lacunas no direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 158.
Luciano Vianna Araújo
Doutor em Direito Processual Civil (PUC-SP). Mestre em Direito Processual Civil (PUC-SP). Professor de Direito Processual Civil na PUC-Rio, nos Cursos de Graduação e de Pós-graduação lato sensu. Advogado. viannaaraujo@nfvacd.adv.br




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