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OS IMPACTOS DA COVID-19 NAS RELAÇÕES DE TRABALHO DO FUTEBOL BRASILEIRO

Rafael Marchetti Marcondes Doutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Gestão Esportiva pelo ISDE/ FC Barcelona. Especialista em Direito Tributário pela FGV/SP. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Consultor. Professor em Direito Esportivo e Tributário. rmarcondes@pn.com.br Área do Direito: Processual; Trabalho Resumo: O artigo se propõe a analisar o impacto da crise gerada pela COVID-19 no futebol brasileiro, especialmente diante dos contratos de trabalho firmados pelos clubes com seus jogadores, após o reconhecimento pela FIFA (por meio da Circular 1.714/2020) de a pandemia se tratar de situação de força maior. Também será abordado sob a perspectiva jurídica o reflexo das medidas adotadas pelos clubes de futebol para reduzir seus gastos com os salários dos atletas. Palavras-chave: Direito Esportivo – COVID-19 – Futebol – Contratos de Trabalho Abstract: This article has the aim of analyzing the impact of the crisis caused by the Covid-19 in the Brazilian football, specially concerning the employment agreements celebrated between clubs and players, after FIFA recognition of the pandemic as a case of force majeure in Circular 1.714/2020. It will also be considered under a legal perspective, the effect of the measures adopted by football clubs in order to reduce its expenses with the pay roll. Keywords: Sports Law – COVID-19 – Football – Employment Agreement Sumário: Qual o impacto e os efeitos de uma situação de força maior no cumprimento dos contratos de trabalho no âmbito brasileiro?

A pandemia do coronavírus (COVID-19) gerou uma crise global, atingindo em maior ou menor intensidade o dia a dia das pessoas e a economia de todos os países. No Brasil, assim como em diversos outros lugares, levou ao reconhecimento oficial da ocorrência de estado de calamidade pública, que se deu por meio do Decreto Legislativo 6, de 20.03.2020 (LGL\2020\2715), aprovado pelo Congresso Nacional.

Como consequência, foram flexibilizados limites orçamentários, com a destinação excepcional de recursos para a saúde, bem como foram instaurados regimes jurídicos urgentes e provisórios visando mitigar os impactos da doença no Brasil.

Dentre as medidas adotadas pelos estados brasileiros, destacou-se o isolamento horizontal, defendido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na tentativa de frear o avanço da doença e mitigar seus efeitos. Essa medida buscou restringir a circulação do maior número de pessoas, com o fechamento de diversas atividades e a manutenção somente daquelas consideradas essenciais à população.

Por mais que uma medida dessa natureza seja imprescindível à preservação de vidas, é inegável que o impacto do isolamento horizontal é brutal para diversos setores da economia e, em especial, para o esporte.

No Brasil, o esporte de maior representatividade é o futebol, e nessa modalidade o problema vai bem além da simples possibilidade de atraso no pagamento de salários: passa pelo risco de demissões em massa, chegando ao cenário do encerramento das atividades dos clubes, sobretudo os de pequeno e médio porte, diante da seriedade da crise socioeconômica que deve se instaurar no país, mesmo após o governo conseguir controlar a COVID-19.

Com o isolamento horizontal, os campeonatos no Brasil foram todos suspensos. Inicialmente até avaliou-se a realização de jogos sem torcida, chegando algumas partidas a serem realizadas dessa forma, mas depois, diante do avanço da pandemia e de modo a preservar a integridade física dos atletas, as atividades foram completamente suspensas.

Acontece que sem a realização de jogos, os clubes deixaram de faturar com bilheteria. Mas, mais do que isso, passaram a ter o pagamento dos direitos de transmissão suspensos, afinal, não havia partidas a serem transmitidas. As equipes também passaram a sofrer com a perda de patrocínios, pois o patrocinador quer visibilidade para a sua marca ou produto, e sem que haja transmissão, seu objetivo não é alcançado. Os próprios patrocinadores sofrem com a redução das atividades econômicas e precisam reavaliar seus gastos.

E as incertezas não param por aí, pois mesmo sendo retomadas as atividades esportivas, não se sabe como será feito para acomodar no calendário todos os eventos esportivos previamente programados e o impacto que isso irá trazer nos contratos assinados entre clubes, patrocinadores, fornecedores, emissoras, entre outros.

Passamos por um momento de muitas dúvidas e poucas certezas. Até por essa razão, a FIFA, na condição de entidade máxima do futebol, cuidou de passar algumas orientações em relação ao esporte. Em 07.04.2020, foi editada a Circular 1.714, que reconheceu a gravidade da crise gerada pela COVID-19, declarou se tratar de situação de força maior e apontou diretrizes com relação à aplicação dos contratos diante dos efeitos causados pela pandemia, dentre outras medidas.

A despeito dos esforços da FIFA para contribuir com a harmonização das relações existentes no futebol, é fato que surgem diversas dúvidas que, para serem dirimidas, requerem uma análise aprofundada da legislação nacional de cada país. No Brasil não é diferente, e vamos tentar esclarecer a seguir algumas questões recorrentes que têm sido feitas após a chegada da COVID-19.


Qual o impacto e os efeitos de uma situação de força maior no cumprimento dos contratos de trabalho no âmbito brasileiro?

No Brasil, a legislação trabalhista trata a força maior como gênero, que acomoda as seguintes espécies: (i) força maior stricto sensu; e (ii) o fato do príncipe. Os artigos 501 a 504 Consolidação das Leis do Trabalho (CLT (LGL\1943\5)) versam sobre a primeira hipótese. A segunda recebe regramento diferenciado, a teor do artigo 486 da CLT (LGL\1943\5).

O art. 501 da CLT (LGL\1943\5) cuida da força maior em geral, também conhecida como força maior simples. Nele, temos três requisitos, pelo menos, todos eles endereçados ao empregador. Vejamos:

“Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

§ 1º – A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.

§ 2º – À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa, não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.”

No dispositivo se observa a existência de dois requisitos objetivos: (i) a inevitabilidade do evento; e (ii) a existência de impacto econômico-financeiro substancial. O requisito subjetivo reside na completa ausência de culpa por parte do empregador. O primeiro e o último requisito estão inscritos no caput do art. 501 da CLT (LGL\1943\5). O outro requisito encontra-se previsto no §2º do mesmo dispositivo.

Nos termos postos pelo artigo 501 da CLT (LGL\1943\5), força maior representa um acontecimento alheio à dinâmica usual do negócio e para o qual o empregador não deu causa – nem direta ou indiretamente –, mas que impacta de forma considerável na sua condição econômico-financeira (caso fortuito). A ausência de qualquer previsibilidade e ingerência por parte do empregador permite por parte dele a adoção de medidas em caráter de exceção, para viabilizar a manutenção do negócio, como a realização de trabalho remoto ou a prática de horas extras sem necessidade de anuência do empregado (artigo 61 da CLT (LGL\1943\5)), o que em regra é obrigatório em razão do disposto no artigo 59 da CLT (LGL\1943\5).

O artigo 502 da CLT (LGL\1943\5), por sua vez, trata de modalidade distinta de força maior, a força maior qualificada, para a qual se adiciona mais um elemento aos requisitos trazidos pelo artigo 501 da CLT (LGL\1943\5). Confira-se:

“Art. 502 – Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:

I – sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478;

[...]

III – havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.”

De acordo com esse dispositivo, não basta apenas que esse evento seja inevitável, isto é, um caso de força maior, e afete expressivamente a saúde financeira do empregador, há um elemento adicional: a gravidade da situação econômico-financeira do empregador deve atingir o nível de seriedade que o conduza a encerrar suas atividades, no todo ou em parte.

Nessa hipótese, o encerramento dos contratos de trabalho é mera consequência do fim das suas atividades. Tanto empregador quanto empregados são vítimas da situação de força maior, de modo que o contrato de trabalho se extingue em decorrência de dispensa imotivada e o empregador arca com o pagamento das indenizações, reduzidas pela metade.

Enfim, mesmo diante de força maior qualificada, a legislação trabalhista brasileira não desonera o empregador da obrigação de pagar haveres rescisórios. Apenas mitiga a situação, repartindo com o empregado o ônus do acontecimento lesivo, para o qual não deu causa.

No artigo 503, aCLT (LGL\1943\5) estabelece que na hipótese de manutenção da atividade de empregador, ainda que com dificuldades, é possível se estabelecer uma redução salarial por ato unilateral do empregador, in verbis:

“Art. 503 – É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.

Parágrafo único – Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.”

Muito se discute se o citado dispositivo teria sido recepcionado, na medida em que a CLT (LGL\1943\5) é anterior à atual Constituição Federal, promulgada em 1988. Nos termos do artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal, a redutibilidade salarial só pode ser viabilizada por negociação coletiva. Todavia, até o momento, Supremo Tribunal Federal não se pronunciou sobre a (in)compatibilidade do artigo 503 da CLT (LGL\1943\5).

Na linha do previsto no artigo 503 da CLT (LGL\1943\5), que estabeleceu a possibilidade de redução unilateral do salário, a Presidência da República, diante do impacto causado pela COVID-19, publicou a Medida Provisória 927, de 22.03.2020 (LGL\2020\2711) (MP 927/2020 (LGL\2020\2711)), que, ao dispor sobre medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública, autorizou também, unilateralmente, que empregadores pudessem reduzir as jornadas de trabalho dos empregados e seus salários em 25%, 50% e 70%, podendo chegar até mesmo a suspender temporariamente os contratos de trabalho.

Mesmo diante do regime jurídico de crise vivenciado pelo estado de calamidade pública no Brasil e da edição da recente MP 927/2020 (LGL\2020\2711), muitos defendem ser inconstitucional não apenas a decisão unilateral, mas também o próprio acordo individual redutor de salário do empregado. A questão já chegou ao Supremo Tribunal Federal que inicialmente, em decisões monocráticas, rejeitou os pedidos de inconstitucionalidade da MP 927/2020 (LGL\2020\2711). Porém o caso ainda deverá ser examinado no mérito de forma colegiada pela Corte.

Por fim, no âmbito trabalhista há ainda outra espécie de força maior, o fato do príncipe, que está previsto no artigo 486 da CLT (LGL\1943\5). Confira-se:

“Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.

O fato do príncipe consiste na paralisação (temporária ou definitiva) das atividades laborais em decorrência de um ato da Administração Pública. O artigo 486 da CLT (LGL\1943\5) prevê que, verificada essa situação, é responsabilidade da autoridade pública indenizar o trabalhador pelos danos sofridos, isentando de culpa o empregador.

Portanto, para se ter a correta dimensão das consequências de um fato lesivo caracterizado como sendo força maior no direito brasileiro, é preciso identificar se ele corresponde a uma hipótese de força maior simples (artigo 501 e 503 da CLT (LGL\1943\5)), força maior qualificada (artigo 502 da CLT (LGL\1943\5)) ou de fato do príncipe (artigo 486 da CLT (LGL\1943\5)), todas elas espécies de força maior latu sensu.


Como pode ser enquadrada a crise gerada no Brasil pela COVID-19?

A pandemia instaurada pela COVID-19 e os efeitos que têm gerado na economia nacional têm levado o brasileiro a uma intensa judicialização, em busca de alternativas que reduzam o impacto financeiro da crise nos negócios com discussões nas mais diversas áreas do direito.

Com isso, muito se tem debatido sobre a natureza da COVID-19, se seria um caso de força maior e, em sendo, se seria possível enquadrá-lo nas hipóteses previstas pela legislação de força maior simples, qualificada, ou se fato do príncipe.

A força maior, como vimos, se verifica em decorrência de episódio calamitoso imprevisível e inevitável pelo empregador, um caso fortuito. Trata-se de incidente para o qual ele não poderia ter adotado conduta diversa com a finalidade de evitar o incidente ou mitigar seus efeitos. A qualificação do caso de força maior como simples ou qualificada dependerá do impacto que o fato gerar nas atividades do empregador. Se permitir o prosseguimento ainda que com prejuízos, ter-se-á força maior simples. Se o prosseguimento do negócio for impossibilitado devido ao evento danoso, estar-se-á diante de caso de força maior qualificada.

O fato príncipe, por outro lado, decorre de evento lesivo ocasionado por um ato do Estado, o qual o empregador também não poderia antevê-lo ou de alguma forma evitá-lo.

A COVID-19 e seus impactos socioeconômicos levaram o governo brasileiro a adotar uma série de medidas responsivas, dentre as quais, o isolamento horizontal, com a paralização de todas as atividades consideradas não essenciais. Tal fato levou muitos cidadãos a responsabilizar o Estado pelos prejuízos por eles sofridos em decorrência da suspensão temporária dos seus negócios. Argumentou-se que os prejuízos advindos das medidas de isolamento seriam decorrência direta de uma opção governamental por impedir por meio de decretos o prosseguimento de suas atividades.

De fato, a paralização dos negócios não essenciais decorreu de uma determinação estatal. Mas o ponto que se deve avaliar é se o governo brasileiro de alguma forma contribuiu para a situação de calamidade. A explosão da COVID-19 pelo mundo em nada foi favorecida pelo Brasil, pelo contrário, o País, assim como tantos outros, por meio dos seus representantes políticos, buscou adotar medidas para conter a proliferação da doença, dentre as quais, a determinação do isolamento horizontal.

Tal opção do governo brasileiro, que resultou na forte desaceleração da economia brasileira, não decorreu de uma completa arbitrariedade, mas de uma deliberação pautada em estudos médicos e orientações da OMS. Assim, pretender responsabilizar o Estado pelos prejuízos que se verificaram no Brasil em decorrência da COVID-19, mostra-se completamente desarrazoado.

Logo, não faz sentido falar-se na aplicação do fato do príncipe à situação experimentada em 2020 pelo Brasil. O fato do príncipe se verificaria na hipótese de o Estado, arbitrariamente deliberar, do dia para a noite, que atividades exercidas de forma autônoma, por profissionais liberais, não seriam mais permitidas no País. Ou então, em termos esportivos, se o governo proibisse determinadas práticas esportivas, como o futebol.

Em situações como essas, em que o empregador não tem como antever uma decisão do Poder Público que compromete suas atividades, cabe a responsabilização estatal. Porém, esse não parece ser o caso desencadeado pela pandemia da COVID-19, seja porque, como dito, as medidas adotadas visavam coibir a expansão do vírus e estavam pautadas em estudos científicos, seja em razão de o próprio Estado brasileiro estar sofrendo com os efeitos da pandemia, tendo que desembolsar recursos adicionais não somente para a área da saúde, mas também econômica, na tentativa de reduzir o impacto da crise nos mais diferentes setores produtivos.

A nosso sentir, a crise vivida em 2020, nos termos da legislação brasileira, se encaixa na hipótese de força maior strictu sensu, que poderá ser considerada simples (artigos 501 e 503 da CLT (LGL\1943\5)), ou qualificada (artigo 502 da CLT (LGL\1943\5)), a depender dos impactos por ela causados na atividade desenvolvida pelo empregador, sendo aplicáveis as consequências estipuladas pelo legislador para cada uma delas. Todavia, não há como se falar na aplicação à situação do fato do príncipe, devido à impossibilidade de se exigir do Estado conduta diversa diante do ocorrido.


A Circular 1.714/2020 emitida pela FIFA gera efeitos jurídicos sobre os contratos de trabalho firmados entre clubes e atletas?

As diretrizes apontadas pela FIFA na Circular 1.714/2020 representam um passo importante dado pela entidade máxima do futebol na tentativa de sinalizar para todos os envolvidos nesse segmento esportivo alguns princípios de boa vontade e cooperação, que devem ser aplicados no momento da solução de conflitos ocasionados por circunstâncias extraordinárias e imprevisíveis, como as que foram geradas em decorrência da pandemia mundial instaurada pela COVID-19.

No entanto, a Circular 1.714/2020 traz meras orientações da FIFA que não produzem efeitos sobre os contratos de trabalho firmados no Brasil, na medida em que tais normativos não foram recepcionados pela ordem jurídica nacional.

O artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, até assegura o reconhecimento de direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Porém, uma Circular da FIFA não se adequa à exigência constitucional, na medida em que um acordo internacional envolve apenas Estados – e não organismos internacionais – e requer a observância de procedimento burocrático que envolvem (i) negociações preliminares e assinatura do tratado; (ii) aprovação parlamentar por parte de cada Estado interessado em se tornar parte no tratado; (iii) ratificação ou adesão ao texto da convenção; e (iv) promulgação do texto convencional na imprensa oficial do Estado.


Quais recomendações são cabíveis em relação aos contratos de trabalho de jogadores estrangeiros que atuam no Brasil?

O Brasil é signatário das Convenções 97 e 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Tratado do Mercosul, que proíbem qualquer tipo de discriminação ao trabalhador em razão da nacionalidade. Ademais, o artigo 5º, caput, da Constituição Federal veda a discriminação entre brasileiros e estrangeiros residentes no País.

A única particularidade a ser observada pelo estrangeiro é que o contrato de trabalho do jogador recém-chegado ao Brasil, via de regra, será temporário, pois inicialmente o seu visto de permanência também será temporário. Prorrogado o visto, o contrato também passa a ser sujeito à prorrogação. Na hipótese de o atleta estrangeiro requisitar e adquirir o visto permanente, o contrato de trabalho poderá passar a viger por prazo indeterminado.

Assim, caso seja do interesse do jogador estrangeiro, com visto temporário permanecer no País, é importante que ele tente assegurar junto ao clube empregador que, diante das circunstâncias causadas pela COVID-19, o seu contrato de trabalho não seja suspenso ou interrompido, pois tal circunstância deve dificultar a prorrogação do seu visto de permanência no Brasil, ou mesmo a obtenção de visto permanente.

Ressalvadas essas condições, o jogador estrangeiro no Brasil gozará de todos direitos que o trabalhador brasileiro possui, como por exemplo, 13º salário, férias, períodos de descanso, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para fins de aposentaria, etc.


A FIFA pode modificar de maneira unilateral elementos da relação contratual de trabalho acordada entre um clube brasileiro e um jogador?

A FIFA tem seu escopo de atuação restrito ao regramento do futebol e das relações existentes dentro do ambiente esportivo. Sempre que uma situação extrapola esse meio, a FIFA perde poder de ingerência, de modo que qualquer orientação firmada, como no caso da Circular 1.714/2020, passa a ter caráter meramente informativo ou, no máximo, sugestivo.

As relações de trabalho no Brasil encontram-se fora da competência da FIFA, são regidas pelo direito interno, inclusive no futebol. Desse modo, ainda que os contratos esportivos tenham particularidades que os diferenciam de outras atividades profissionais, o seu regramento se dará pela legislação brasileira, que se sobrepõe às regras da FIFA em matéria trabalhista, não havendo margem para que a instituição modifique unilateralmente um contrato de trabalho validamente assinado entre um clube e um jogador.


Em relação aos empréstimos de jogadores, é possível que os acordos sejam estendidos com base no entendimento manifestado pela FIFA? É necessária alguma formalidade?

As orientações passadas pela FIFA por meio da Circular 1.714/2020 não são suficientes para gerar unilateralmente a prorrogação de empréstimo de um jogador a um determinado clube. Os empréstimos são contratos de trabalhos temporários e, nessa condição, também são regidos pelas leis trabalhistas brasileiras.

Dessa forma, para que haja a prorrogação de um empréstimo de um jogador, será necessário estender o vínculo de trabalho com o clube por meio de uma prorrogação do contrato de trabalho, o que requer um entendimento entre as partes, isto é, entre o clube e o atleta, dentro dos limites dispostos pela lei local.

Na legislação brasileira não há nenhuma norma que permita prorrogar automaticamente um contrato de trabalho que terminou no meio da pandemia, ou mesmo que estenda o contrato de trabalho pelo período em que o atleta ficou impedido de jogar em decorrência das medidas de isolamento adotadas pelo Governo brasileiro.

Uma tentativa de prorrogação unilateral do contrato de trabalho, diante da excepcionalidade da situação causada pela COVID-19, dependeria de iniciativa do jogador (e não da FIFA), que deveria ajuizar uma ação para pleitear a extensão do seu vínculo de trabalho com o clube. Tal ação seria pautada na ocorrência de forma maior, sendo incerto, entretanto, como os juízes se posicionariam sobre o tema.


Quais medidas laborais têm sido tomadas pelos clubes brasileiros com relação aos seus jogadores e a suspensão dos campeonatos nacionais e internacionais? Quais os riscos dessas medidas diante das normas locais?

Diante da suspensão dos campeonatos pelo Brasil e pelo mundo, os clubes brasileiros, assim como diversos empregadores, passaram a buscar medidas para reduzir seus custos, sendo que no futebol, grande parte das despesas está relacionada ao pagamento da folha de salários. Assim, os clubes avaliaram alternativas, porém, essas alternativas variam de acordo com o porte de cada clube e o perfil das contratações vigentes com os seus jogadores.

As equipes brasileiras de menor porte, que em geral só disputam os campeonatos estaduais no primeiro semestre, tinham grande parte dos contratos de trabalho dos seus jogadores se encerrando em abril de 2020, logo após o término da disputa das competições.

Com a suspensão das atividades, esses clubes simplesmente deixaram os contratos de trabalho vencer e não procuraram os atletas para fazer a sua renovação, diante da incerteza de quando se daria o retorno dos campeonatos, e se, com o retorno das atividades esportivas, ainda existiria no calendário espaço para encaixar o término da disputa dos estaduais, especialmente diante da previsão de início do campeonato brasileiro entre os meses de maio e junho desse ano.

Já os clubes de médio e grande porte, que têm previsão de disputas ao longo de todo o ano e, por consequência, possuem atletas com contratos de trabalho mais longos, têm adotado diferentes políticas. A primeira medida adotada foi a concessão de férias coletivas de 20 dias aos atletas no período da pandemia, o que foi muito criticado no Brasil.

De acordo com o artigo 28, § 4º, inciso V, da Lei 9.615/1998 (LGL\1998\82), que rege o desporto brasileiro, as férias dos atletas profissionais devem obrigatoriamente coincidir com o recesso das atividades esportivas, que no Brasil se dá entre os meses de dezembro e janeiro. Desse modo, a concessão de férias nesse momento de pandemia, em princípio poderia gerar uma afronta a esse dispositivo, ainda que tecnicamente as atividades no futebol brasileiro estejam suspensas.

Porém as maiores críticas são feitas em razão de questões médicas. A natureza da atividade exercida pelo atleta demanda intensamente a parte física, havendo toda uma preparação e condicionamento do jogador para que ele atinja seu ápice ao término da temporada que, no Brasil, coincide com o fim do ano.

Assim, em dezembro, o jogador atinge um nível de exaustão que recomenda a interrupção das atividades pelo prazo de 30 dias para que muscularmente ele possa se recuperar e, com isso, evitar lesões. Com a concessão de férias coletivas de 20 dias durante a pandemia, o prazo de recuperação dos atletas ficaria prejudicado, aumentando o risco de lesões.

Não se optou pela concessão de férias coletivas de 30 dias, pois no final do ano, com a proximidade das festas de natal e réveillon, as atividades esportivas serão interrompidas inevitavelmente por pelo menos 10 dias, como ocorre na Europa e nos Estados Unidos.

A segunda medida que tem sido adotado pelos clubes da primeira divisão do campeonato brasileiro tem sido a negociação de reduções salariais. Clubes e atletas têm conversado por meio de seus representantes de classe, a Comissão Nacional de Clubes (CNC) e a Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF).

A proposta trazida pela CNC era de redução de 25% nos salários, porém foi rejeitada pela FENAPAF. Com o impasse estabelecido quanto aos patamares de redução salarial a serem implementados, muitos clubes passaram a negociar diretamente com os seus atletas.

O risco das negociações individuais dos salários, sem a intermediação da entidade representante dos atletas, reside no fato de a Constituição Federal brasileira prever, em seu artigo 7º, inciso VI, a obrigatoriedade da redução salarial condicionada a aprovação do sindicato da categoria. Sem que isso aconteça, como se tem visto em grande parte dos clubes da série A do campeonato brasileiro, ainda que feito o acordo entre clube e atleta, o jogador poderá ingressar em juízo questionando a legitimidade da medida, o que certamente gera insegurança aos empregadores.

A necessidade de envolver o sindicato em uma negociação para redução dos vencimentos não ocorre, entretanto, com o que é pago pelo clube ao atleta a título de direito de imagem. O contrato de imagem tem natureza civil (e não trabalhista), nos termos do artigo 42, §1º, da Lei 9.615/1998 (LGL\1998\82). Assim, por não ser considerado salário, fica à margem da exigência contida no artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal, exceto quando houver fraude.

Desse modo, negociações firmadas diretamente entre clubes e atletas quanto ao pagamento pelo direito de exploração da imagem, independem de intervenção do sindicato da categoria e, se forem levadas a termo, dificilmente haverá argumentos consistentes para se sustentar a sua invalidade perante o Poder Judiciário.

Uma terceira e última medida que tem sido adotada pelos clubes brasileiros, ainda que não dito abertamente, consiste no atraso no pagamento da remuneração dos atletas, aí considerado o salário e os direitos de imagem.

O artigo 31 da Lei 9.615/1998 (LGL\1998\82) prevê a possibilidade de o atleta pedir a rescisão do contrato de trabalho com o clube se a entidade esportiva estiver com três meses ou mais de salário ou de direito de imagem atrasados. Diante disso, muitos clubes se valeram dessa prerrogativa para não pagar a remuneração dos atletas durante o pico da pandemia, ficando em atraso com os pagamentos em até dois meses.

Há clubes, é verdade, que extrapolaram esse limite de dois meses, assumindo o risco de o jogador pedir a rescisão contratual. Essas equipes, entretanto, apostaram suas fichas na gravidade da situação que atingiu clubes brasileiros e estrangeiros, reduzindo as perspectivas de o atleta de se transferir de equipe. Na medida em que todos os clubes sofrem com a falta de receitas, se o atleta opta no momento da crise por rescindir seu vínculo de trabalho, ele corre sérios riscos de não conseguir se recolocar no mercado de trabalho no curto prazo. Ou seja, o tiro pode sair pela culatra e, é nisso que apostaram alguns clubes.

Enfim, a situação é difícil e clubes e atletas jamais vivenciaram algo parecido. Assim, o que se espera diante desse cenário extraordinário trazido pela pandemia da COVID-19, é um pouco de bom senso e flexibilidade por parte de clubes e atletas, para que se possa chegar a um acordo que, certamente ficará longe do ideal, mas que, ao menos, seja interessante para ambos e não prejudique excessivamente uma ou outra parte.

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