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INSEGURANÇAS JURÍDICAS NAS RELAÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO

Karina Kawabe Advogada e consultora jurídica com militância expressiva na advocacia empresarial nas esferas consultiva e contenciosa do direito individual e coletivo do trabalho, bem como, do direito civil e de empresas. Área do Direito: Trabalho


O ordenamento jurídico aplicável ao direito do trabalho brasileiro é composto por diversas fontes normativas que amparam, norteiam e subsidiam as relações mantidas entre empregadores e empregados, individual ou coletivamente.

Dentre elas, convivem ainda que "pseudo harmonicamente", as fontes que a doutrina divide em: (i) heterônomas, sendo aqueles que derivam de um agente externo, como as normas constitucionais, leis, decretos, portarias, sentenças normativas, convenções internacionais; e (ii) autônomas, aquelas elaboradas pelos próprios interessados, como é o caso dos costumes e convenções ou acordos coletivos de trabalho, prevalecendo nesse último caso, o que denominaríamos no direito civil como, autonomia da vontade.

Em definição das relações coletivas de trabalho, nos ensina Amauri Mascaro Nascimento: são as relações jurídicas que têm como sujeitos os sindicatos de trabalhadores e os sindicatos de empregadores ou grupos e como causa a defesa dos interesses coletivos dos membros desse grupo.1

Da autocomposição das relações coletivas de trabalho, exsurgem as convenções e acordos coletivos de trabalho, as quais, antagonicamente, cedem espaço às sentenças normativas, pela aplicação da jurisdição pela heterocomposição.

Fato é que as negociações coletivas de trabalho, instrumentalizadas através de convenções e acordos coletivos de trabalho, são há muito reconhecidas por nosso direito positivado, tendo seu marco histórico no Decreto 21.761/1932, por inspiração na Lei Francesa de 1919, alçando status constitucional na CF de 1934, se repetindo em todas as outras que a sucederam, não se perdendo de vista o título dedicado pela CLT/1943 às Convenções Coletivas de Trabalho lá tratadas como gênero, a partir do artigo 611, donde se extrai o conceito de Convenção e Acordo Coletivo, in verbis:

"Art. 611- Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

§ 1º - É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho."

Pois bem, se as negociações coletivas de trabalho foram há muito erigidas a direito constitucional e assim reconhecidas como direito social dos trabalhadores, por que costumeiramente são questionadas e nulificadas pelo Poder Público?

Ora, se a lei confere representatividade e legitimidade aos sindicatos das categoriais profissionais e econômicas, como mais lídima expressão de democracia social por manifestação da maioria dos envolvidos, por que a intervenção do Estado?

Será que realmente instrumentos como a convenção e acordo coletivo, reconhecidamente alçados a direito constitucional dos trabalhadores, merecem tamanha intervenção estatal e mitigação a ponto da vontade da maioria das pessoas interessadas ser rebaixada a nada, sem produção de qualquer efeito ou cassação dele?

Onde está, que não conseguimos encontrar e validar a efetiva representatividade conferida às entidades sindicais por meio de lei, eis que ao que parece, nada vale?

Ou então, estamos vivenciando a era da subversão dos princípios basilares do direito, com novos conceitos, onde hoje a leitura do princípio da boa-fé seria: "a má-fé se presume e a boa-fé se prova"?

Esses e tantos outros questionamentos passam pela cabeça dos empregadores e operadores do direito quando tratativas para uma negociação coletiva são iniciadas, especialmente quando se vê a necessidade de acordar redução de direitos em momentos de instabilidade econômica, ou até mesmo por vontade da maioria por uma contrapartida social/pessoal razoável, pois por mais bem amparado, elaborado e formalmente íntegro e legal o acordo, a insegurança jurídica não é vencida.

Ainda que concorde com o princípio à proteção ao empregado, e mesmo que, com ressalvas, aceite a hipossuficiência legal conferida aos trabalhadores, essa regra não se mostra como máxima absoluta e incontestável a ponto de esvaziar completamente a autonomia da vontade que deveria prevalecer na seara das relações coletivas de trabalho, especialmente, em prol e imposição legal da tal representatividade sindical.

Não raro nos deparamos com cláusulas de convenções coletivas ou acordos coletivos anulados pela Justiça do Trabalho, ou inviabilizados por ações propostas pelo Ministério Público do Trabalho.

Exemplos clássicos são os acordos coletivos para redução de intervalo intrajornada normalmente anulados pelos tribunais do Trabalho, mesmo observando-se integralmente os preceitos e condições contidas na Portaria nº 1.095/10 do Ministério do Trabalho e Emprego, diante da edição da Súmula 437, II do TST, que sem força vinculante, legifera como instância máxima.

Sim, sabemos que o intervalo para refeição e descanso traduz norma de ordem pública por encampar questões de medicina e segurança do trabalho, no entanto, mister se faz necessário romper as barreiras da mera técnica, para atingir a causa e motivação de um acordo coletivo sobre redução de intervalo.

Em algum momento se questiona o porquê da anuência da maioria dos trabalhadores sinalizando positivamente ao acordo? Pondera-se que sair 30 minutos mais cedo do horário de trabalho permite ao trabalhador perder menos tempo de deslocamento, suportar mais "confortavelmente" a problemática do transporte público, chegar a tempo em um curso ou faculdade, proporcionar mais tempo de convivência familiar ou descanso em sua residência? A resposta é um sonoro NÃO.

Juízes, desembargadores e ministros se vendam a realidade, à autonomia da vontade, à democracia social, à credibilidade que deveria prevalecer nas negociações coletivas para, pura e simplesmente, anular um acordo de vontades, um ato jurídico perfeito e acabado, onerando o empregador que atendeu às vozes que aclamaram na assembleia e anuíram ao acordo, com mais um encargo, mais um passivo para administrar.

Realmente, as ultrapassadas normas trabalhistas brasileiras, a cultura extremamente protecionista dos órgãos jurisdicionais, a ausência de percepção da realidade por falta de experiência dos nossos juízes de base, data venia, são sinais emblemáticos de que o sistema atual vigente merece reforma incontinenti. Mais uma vez, nos deparamos à almejada e desejada, mas controvertida flexibilização do direito do trabalho.

Como uma luz no fim do túnel, surge a emenda 155 à MP 680/15, que disciplinou o PPE - Programa de Proteção ao Emprego, trazendo em sua essência o espírito da mudança e flexibilização. Acresce à MP 680/15, alterações ao artigo 611 da CLT, prevendo além do reconhecimento expresso quanto às convenções e acordos coletivos, a eficácia das negociações coletivas como fontes do direito, sobrepondo-se às leis, respeitadas as normas constitucionais e aquelas direcionadas à higiene, saúde e segurança do trabalho.

Cabe-nos aguardar o desfecho da proposição legislativa e contar que as forças políticas não inviabilizem mais uma vez a evolução do país, tanto do ponto de vista normativo como econômico. Afinal, como diz o jargão, "somos brasileiros e não desistimos nunca", contudo, acresço, "mas já estamos nos cansando ...".


1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro.Curso de Direito do Trabalho. 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009.

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