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CRISE ECONÔMICA E A TUTELA JURÍDICA DO SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL

Carlos Alberto Farracha de Castro Doutor em Direito UFPR. Professor na Unibrasil. Advogado e Sócio do escritório Farracha de Castro Advogados. Área do Direito: Consumidor

A sociedade contemporânea enfrenta sérios problemas: desastres ambientais; quadros de recessão econômica, terrorismo, dentre outros. A possibilidade de uma terceira grande guerra é um dado concreto, diante do desenvolvimento e atos praticados pelo Estado Islâmico. Nesse cenário, o Brasil parece um navio desgovernado num mar revolto em uma noite escura e fria. Enfim: tempos difíceis.

É fato público e notório, em 2015, o agravamento da crise no Brasil. Não há perspectiva política e muito menos econômica. Os governantes se preocupam exclusivamente em permanecer em seus cargos, sem, contudo, oferecer uma agenda prospectiva para o país. Reformas na previdência e no sistema tributário são medidas que se impõe. Não se pode olvidar da necessidade de imposição de limite legal para o aumento dos gastos públicos sem prejuízo da implementação de mecanismos que confiram segurança jurídica e liberdade de negociação entre trabalhadores e empresários.

Sucede que anos atrás os brasileiros foram incentivados a consumir, sob o argumento que o consumo era indispensável para fomentar a indústria nacional e superar a crise econômica proveniente do exterior. Consequência desse quadro político/econômico equivocado e midiático é o superendividamento dos brasileiros; sem, agora, qualquer acesso ao crédito.

Por óbvio, o superendividamento gera consequências nefastas para qualquer sociedade, vez que consubstancia um fenômeno social, econômico e jurídico capaz de afetar o equilíbrio das relações financeiras entre credores e devedores e, por conseguinte, o crédito, ferramenta essencial para o desenvolvimento de atividade econômica. Na verdade, o superendividamento é resultado da impossibilidade do sujeito honrar suas obrigações, sem prejuízo do seu sustento e de sua família. O Direito de Insolvência deve enfrentar e se ocupar dessa questão, observado que a doutrina classifica o superendividamento em passivo e ativo. Passivo, quando derivado de fato em que o sujeito não contribuiu para o crescimento do seu passivo, como, por exemplo, problemas de saúde ou perda do emprego. Ativo, quando o sujeito, incentivado pela publicidade inerente a atual sociedade de consumo, abusa do crédito e assume obrigações exageradas em total descompasso com sua receita.

Pois bem. O Direito da Insolvência serve para preservar o crédito e buscar a igualdade de credores quanto ao patrimônio remanescente do devedor insolvente. Afinal, a ruptura do crédito, motivada pelo não pagamento no prazo prometido, cria verdadeira desconfiança que, se não for reparada imediatamente, ocasiona uma instabilidade no comércio em geral. Daí o nascimento do instituto da insolvência, o qual se destina a reprimir a utilização anormal do crédito, uma vez que exerce a tarefa de regular juridicamente a eliminação do mercado daquele sujeito que não utilizou adequadamente o crédito que lhe foi concedido e não possui condições econômico-financeiras de reverter esse quadro de insolvência, preservando sua atividade profissional.

Nesse particular, a tendência universal do mundo ocidental é a unificação dos processos de insolvência e recuperação de empresas, abrangendo tanto empresários como sujeitos não empresários (pessoa física ou jurídica). O legislador brasileiro, porém, por ocasião do advento da Lei 11.101/2005 não subscreveu literalmente essa tendência, limitando seu campo de atuação a pessoa do empresário. Ao que tudo indica o legislador brasileiro assim o fez (embora, na nossa ótica, de modo totalmente errôneo) com o intuito de adaptar a Lei 11.101/05 ao Código Civil Brasileiro. Afinal, no tocante as cooperativas, o Código Civil Brasileiro estabelece à qualidade jurídica (simples) pela forma e não pelo exercício da atividade (objeto). Todavia, nesse particular, há que se registrar a infelicidade do legislador, uma vez que, agindo como agiu, afastou as sociedades cooperativas do âmbito da Lei 11.101/05, que trata da recuperação de empresas e falências, dificultando, pois, sua preservação em caso de dificuldades econômicas e financeiras, uma vez que não poderá se socorrer da utilização dos mecanismos judiciais previstos nesse diploma legal.

Entretanto, diante do cenário de superendividamento do povo brasileiro há que se repensar o nosso sistema da insolvência, inclusive com a inclusão das pessoas físicas não empresárias, aos efeitos da Lei 11.101/2005 e, portanto, outorgando-lhes a possibilidade do uso da recuperação judicial ou extrajudicial.

Não obstante, o Brasil necessita de uma legislação específica que tutele o superendividamento, a exemplo do que sucede em outros países, como França e Estados Unidos. É bem verdade que tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que tratam dessa temática, como PL 5173/2013, PL 3515/2015 e PL 1.922/2011, dentre outros. A implementação e fortalecimento de medidas fiscalizatórias em desfavor dos agentes econômicos que realizam publicidade prejudicial, induzindo ao consumo o sujeito sem condições (inclusive intelectuais) são medidas que se impõe.

A regulamentação específica que se aguarda deve tutelar o sujeito não consumidor em ambas as fases negociais, isto é, pré-contratual, a contratual e a pós-contratual. Possuir características de lei de ordem pública, protegendo o devedor insolvente de boa-fé. Suas regras devem ser complementares (e não excludentes) das disposições que tutelam o consumidor. Deve tratar não só da prevenção ao superendividamento como orientar o crédito responsável. Estabelecer mecanismos de inversão do ônus da prova. Punir o agente que se beneficia da publicidade e instrumentos contratuais enganosos. Possibilitar a reestruturação do passivo, por intermédio do oferecimento de um plano judicial de reestruturação e liquidação do passivo, sem olvidar da possibilidade de conciliação. Punir o devedor que age de má-fé, inclusive na esfera penal, se necessário.

Todavia, a mora do legislador, ainda que dificulte, não impede a tutela e proteção dos insolventes de boa-fé, por intermédio de uma interpretação sistemática da Constituição Federal e do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei 8.078/90), caso aplicável, além dos princípios gerais de direito, inclusive norteadores do Código Civil, como a boa-fé e função social do contrato.

A omissão do nosso legislador, no entanto, não impediu o desenvolvimento no Brasil de projetos exitosos de amparo aos superendividados, a exemplo do que sucedeu no Rio Grande do Sul, São Paulo e outros Estados da Federação. Esses projetos - embora louváveis e merecedores de respeito -, não atacam a causa do superendividamento, mas tão somente o efeito. Aqui reside, pois, o desafio, inclusive do nosso legislador.

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