AS REDES SOCIAIS E O DIREITO DO TRABALHO
- Raul Maia
- 4 de ago. de 2020
- 6 min de leitura
Túlio de Oliveira Massoni Doutor pela USP. Professor da UNIFESP. Professor convidado nos cursos de Pós-graduação da PUC-SP, da FGV-RJ, da Universidade Mackenzie e nos cursos de Extensão da Universidade de Roma II (Tor Vergata). Advogado. Área do Direito: Trabalho
As denominadas redes sociais (ou mídias sociais) como Orkut, Facebook, LinkedIn, Twitter, blogs e afins criaram um novo padrão de sociabilidade entre as pessoas. E o direito do trabalho também é profundamente afetado por esse fenômeno, sendo inúmeros os âmbitos e momentos desta influência.
Na fase pré-contratual, "head hunters" e profissionais ligados ao processo seletivo valem-se cada vez mais desta ferramenta na análise do perfil do candidato à vaga, examinando seu perfil, seu estilo de vida, o que desperta debates sobre a licitude desta conduta.
No curso da relação de trabalho, grandes empresas criam políticas para regular uso de tais mídias sociais, inclusive WhatsApp, durante a jornada de trabalho, como forma de evitar queda de produtividade. O uso de fotos e imagens de empregados, em especial para fins comerciais e publicitários da empresa, sem a devida autorização dos mesmos, no material institucional ou mesmo no "site" da empresa, também merece os devidos cuidados.
Novas questões se colocam em relação aos direitos fundamentais do trabalhador, como privacidade, intimidade e liberdade de expressão, que passam a ser redimensionados e cotejados com outros direitos. Cresce o número de casos apreciados pelos Tribunais Trabalhistas. Discute-se se haveria violação da privacidade do empregado caso o empregador ou seus prepostos consultarem a página do empregado ou se, por outro lado, nada haveria de ilícito por se tratar de uma rede pública.
Com relação aos limites da liberdade de expressão do trabalhador, doutrinariamente põe-se a questão de empregados que, em sua página da rede social, tecem comentários que denigram o nome da empresa, divulguem assuntos estratégicos e internos do negócio, ou mesmo que ofendam a honra de prepostos, gerentes e chefes.
O TST manteve a justa causa aplicada a enfermeira que, em sua página do Orkut, postou fotos do seu local de trabalho expondo pacientes da UTI bem como de posturas desrespeitosas no ambiente de trabalho (TST, 2ª Turma - AIRR n. 5078-36-2010.5.06.0000). O TRT do Rio Grande do Sul igualmente já considerou válida a prova obtida em pagina de Orkut para fins de punição de empregado por violação ao dever de boa-fé. No caso, tratava-se de bibliotecário de uma escola que elaborava as "colas" e plastificava os papéis para ajudar os alunos a fraudarem os exames; e nos comentários do Orkut, diversos alunos o agradeciam por este serviço irregular (TRT 4ª Região - 1ª Turma - Processo 00080-2005-013-04-00-00). Em outro caso, o TRT do Paraná afastou alegações de suposto assédio moral pelo fato de o gerente visitar a página do Orkut de um de seus subordinados (TRT 9ª R. - RO 1902900-22.2009.5.09.0001, 4ª Turma, Relatora Sueli Gil El Rafihi, Julgamento 13/04/2011).
Em um caso apreciado pelo TRT de Campinas, entendeu-se correta a aplicação de justa causa a empregado que "curtiu" um post de antigo colega que injuriava a proprietária da empresa. Ponderou o TRT que a liberdade de expressão não permite ao empregado travar conversas públicas e ofensivas em rede social. Neste caso, decidiu-se que "efetivamente as ofensas foram escritas pelo ex-funcionário, no entanto, todas foram 'curtidas', com respostas cheias de onomatopeias que indicam gritos e risos (...) Não houve desencorajamento por parte do recorrente, mas sim apenas frases: 'Você é louco Cara!....Mano vc é Louco!', que pela forma escrita parecem muito mais elogios.(...) O fato é grave, posto que se sabe o alcance das redes sociais, isso sem contar que o recorrente confirma que outros funcionários da empresa também 'eram seus amigos' no Facebook". (TRT 15 Região - RO n. 0000656-55.2013.5.15.0002 - Rel. Juíza Patrícia Glugovskis Penna Martins).
Situação semelhante foi julgada pelo TRT da 10ª Região, o qual condenou um empregado a pagar indenização de R$ 1 mil ao restaurante em que trabalhava, em decorrência de comentários publicados no Facebook que difamavam o restaurante, dizendo que havia prática de assédio moral e outras acusações. Para o relator do caso, juiz convocado Mauro Santos de Oliveira Góes, o trabalhador ultrapassou os limites do direito à manifestação ao depreciar e caluniar o empregador na rede social. Ponderou o magistrado que a Constituição Federal assegura o direito à livre manifestação do pensamento como garantia fundamental, mas, no entanto, a mesma norma constitucional também resguarda o direito à indenização por dano à imagem.
O TRT de Minas Gerais igualmente considerou correta a aplicação da justa causa a empregado que faltara ao trabalho alegando doença da filha, mas que postara fotos em piscina em festa de casamento, inclusive ingerindo bebidas alcóolicas. Ao apreciar o histórico de mau procedimento e advertências do trabalhador, o TRT concluiu que a empregadora agiu corretamente (TRT 3ª Região - Processo nº 00273-2014-176-03-00-9 - 6ª Turma - Rel. Des. Jorge Berg de Mendonça 16/06/2015). Outro caso apreciado por esta Corte considerou válidos, como meios de provas nos processos trabalhistas, dados extraídos do Facebook. Entendeu-se que "Os dados contidos no Facebook estão disponíveis na rede mundial de computadores, não havendo falar em violação à intimidade e à vida privada", e que os documentos comprovaram que o reclamante gozava férias, com diversos passeios, ao contrário do que alegou. (TRT 3ª Região - Processo nº 0010599-39.2014.5.03.0053 - Des. Rogério Valle Ferreira - 26/05/15). Também o Judiciário mineiro reputou lícita a juntada, nos autos, de troca de mensagens de WhatsApp entre o trabalhador e a empresa para se comprovar que o trabalhador de fato tinha pedido demissão, e não - como alegou no processo - que havia sido dispensado sem justa causa (TRT 3ª Região - Processo nº 00047-2015-089-03-00-7 - 5ª Turma - Rel. Des. Márcio Flávio Salem Vidigal - 02/06/2015).
Na Itália, decisão do Tribunal de Roma de 28 de janeiro de 2009 considerou justificada a rescisão do contrato de trabalho de uma empregada que mantinha um site pornográfico no qual divulgava seus serviços de profissional do sexo, mesmo que fora do expediente, por supostamente não ser compatível com a imagem da empresa em que trabalhava.
No plano processual, discute-se se o fato de um trabalhador ser amigo na rede social de um outro trabalhador poderia comprometer a imparcialidade do depoimento testemunhal por "amizade íntima". Nesse particular, contudo, a tendência geral da jurisprudência brasileira é no sentido de afastar a contradita de testemunhas (CPC, art. 403, §3º, III), salvo se as fotos e publicações indicarem um grande convívio para além do mero "coleguismo de trabalho". Sobre o tema, o TRT de Minas Gerais assim se pronunciou: "É verdade que na citada rede social tem-se amigos que são íntimos e outros não tão íntimos ou apenas conhecidos" No caso concreto o relator entendera pela suspeição da testemunha pelo fato de a reclamante ter postado no Facebook as seguintes declarações por ocasião do aniversário da testemunha: " (...) e dizer o quanto você é querida e amada por mim. (...) Para mim neste grande dia a maior felicidade é dizer que tenho uma grande amiga. (...) Parabéns Minha amiga!!! Amo vc.". Mas foi voto vencido, pois os demais votantes entenderam que não estava suficientemente provada a amizade íntima, tendo a turma rejeitado a contradita arguida (TRT 3ª Região - Processo nº 02137-2014-181-03-00-9 - Rel. Des. Oswaldo Tadeu Barbosa Guedes 08/06/15).
O TRT de Minas Gerais também analisou caso em que uma testemunha estaria querendo uma "recompensa" para testemunhar no processo do autor da ação, fato percebido a partir das conversas travadas na rede Facebook e tudo isto demonstrava a inidoneidade dos depoimentos (TRT 3ª Região - 6ª Turma- Processo nº 02161-2013-129-03-00-4 - Rel. Des. Rogério Valle Ferreira - 26/05/15).
Ainda no âmbito do processo trabalhista, negou-se o pedido de justiça gratuita de um empregado com base em informações colhidas da página do Orkut, a qual atestava que o mesmo era proprietário de restaurante e ainda tinha negócios no ramo da exportação, com elevado padrão de vida, incompatível com a finalidade dos benefícios da assistência judiciária gratuita (Lei 1.060/50).
Por fim, há a dimensão coletiva e sindical das redes sociais, qual seja, o uso de Facebook, Twitter, e-mails etc. para fins de campanhas sindicais. Impõe-se saber, inclusive, se o e-mail corporativo (intranet) poderia ser utilizado para fins de proselitismo sindical, uma decorrência do direito de informação nos locais de trabalho. As Cortes espanholas, na STC n. 281/2005 e outras, à falta de uma normatização específica ou de um Código de Conduta previamente estabelecido, vêm autorizando o uso do correio corporativo pelas entidades sindicais de trabalhadores, desde que as comunicações não perturbem a atividade normal da empresa, prejudicando o uso empresarial para o qual foi destinado e desde que não ocasione gravames adicionais ao empresário ou gere custos adicionais ou colapsos na rede. Algumas convenções coletivas de trabalho, na Espanha, já passam a contemplar o tema.
A Corte Constitucional alemã, em 2014, apreciou caso em que o sindicato de trabalhadores, em sua página, convocou trabalhadores, estudantes, clientes e consumidores para uma manifestação do tipo "flash mob" a ser realizada dentro do ambiente de trabalho, que era um hipermercado. Decidiu-se que o movimento era lícito, tratando-se de novas formas de ação coletiva, protegida pela Constituição do país, ainda que atípica.
Logo se percebe que vários são os desdobramentos e implicações da internet e redes sociais no Direito do Trabalho. Há uma multiplicidade de direitos e interesses em jogo, os quais deverão ser cotejados e ponderados para se decidir, com justiça e razoabilidade, cada caso concreto levado ao Poder Judiciário.




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