A MEDIAÇÃO NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
- Raul Maia
- 5 de ago. de 2020
- 29 min de leitura
Carolina Eichemberger Rius Mestranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada. ceichembergerrius@gmail.com Área do Direito: Processual Resumo: Tem o presente trabalho o objetivo de analisar o instituto da mediação, meio de resolução consensual e extrajudicial de conflitos. Para tanto, é abordado o contexto histórico da mediação, bem como a transformação legislativa desta, no ordenamento jurídico nacional e a sua regulamentação atual. Considerando que o instituto da mediação é tão antigo quanto a própria humanidade e que esse ganha força e popularidade atualmente, nos mais diversos países, é importante estabelecer e analisar a forma como aludido instituto ganhou espaço em nosso ordenamento jurídico, deixando de compor apenas de previsões legislativas esparsas para ser regulamentado em lei específica (Lei 13.140/2015) e ter espaço de destaque no Código de Processo Civil após marco de 2015. Palavras-chave: Mediação – Direito positivo – Código de Processo Civil – MESCs Abstract: The purpose of this paper is to analyze the institute of mediation, a means of consensual and extrajudicial resolution of conflicts. Therefore, the historical context of mediation is addressed, as well as its legislative transformation, in the national legal system and its current regulation. Considering that the mediation institute is as old as humanity itself and that it is gaining strength and popularity today, in the most diverse countries, it is important to establish and analyze the way in which this institute has gained space in our legal system, failing to compose only forecasts sparse legislative measures to be regulated in a specific law (Law 13.140/2015) and to have a prominent place in the Civil Procedure Code after the 2015 landmark. Keywords: Mediation – Positive law – Civil Procedure Code – MESCs Sumário: 1.Introdução
1.Introdução
Entende-se mediação como sendo um meio extrajudicial de solução consensual de conflitos, pautada pela informalidade, confidencialidade, relação de confiança, autonomia das partes e voluntariedade, incompatível com a imposição de quaisquer meios.
O presente estudo trata da origem da mediação como instituto e seu conceito atual, analisando sua utilização nos tempos mais remotos e como esta ganhou espaço em diversos países, seja na forma extrajudicial ou judicial de sua aplicação.
Após explorar seu surgimento, importou-se em trazer a contextualização legislativa nacional, explorando as esparsas menções feitas aos meios de solução consensual de conflitos, certamente com mais ênfase na conciliação, no ordenamento jurídico brasileiro.
No que tange ao histórico normativo brasileiro, traça-se três marcos temporais a serem analisados: antes de 2010, tendo como primeiro parâmetro o preâmbulo da Constituição Federal de 1988, merecendo destaque o ano de 1995, quando foi promulgada a Lei dos Juizados Especial Civis e Criminais (Lei 9.099/1995 (LGL\1995\70)), a qual promoveu cenário favorável para que houvesse a conciliação das partes.
O próximo marco é o próprio ano de 2010, enfatizando a ilustre Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (LGL\2010\2910), que, além dos demais pontos positivos neste estudo analisados, teve como grande feito o reconhecimento de que a responsabilidade por implantar os meios adequados de solução de conflitos é pauta pública.
Finalizando o histórico normativo, analisa-se o contexto e as finalidades das leis promulgadas em 2015, quais sejam, as Leis 13.105/2015 (Código de Processo Civil) e 13.140/2015 (Lei de Mediação).
Para explorar a temática da regulamentação atual da mediação em nosso ordenamento jurídico, debruça-se sobre o Código de Processo Civil, primeiramente, o qual tem ênfase na regulamentação da mediação realizada no âmbito judicial e, após, na Lei de Mediação.
Passa-se, então, ao estudo das disposições trazidas por estes dois importantes regramentos jurídicos, analisando seu contexto e sua relevância.
A partir desses pontos, se pretende discutir a origem da mediação como instituto, seu contexto histórico nacional e sua atual regulamentação, analisando a consequência de regulamentar esse instituto, até então pautado na informalidade.
2.A mediação como instituto e sua origem
A mediação se trata de um meio consensual, ou seja, não adversarial de prevenção, condução e pacificação de conflitos, por meio do diálogo e do uso de técnicas que visam a estimular as partes a obter solução consensual com vistas a alterar o relacionamento conflituoso entre elas.
Tal forma de pacificação de conflitos só se opera entre as partes, se assim elas escolherem, sendo uma faculdade com a possibilidade de ser interrompida a qualquer tempo, uma vez que é condição sine qua non para a mediação a vontade das partes.
São características da mediação, também: a informalidade, ausência de poder decisório de terceiro e protagonismo das partes.
O instrumento da mediação é o diálogo conduzido por técnicas operadas pelos mediadores, os quais devem ter postura neutra e imparcial em relação às partes e ao conflito, assim como não devem realizar juízo de valor acerca do caso nem, tampouco, sugerir ou impor soluções.
É esperado que sua atuação se destine a administrar o debate entre as partes com a finalidade de reestabelecer o diálogo, a compreensão, a responsabilidade dessas, como protagonistas da controvérsia, para que se tornem aptas a construírem uma solução que lhes seja mais satisfatória.
Com o advento do Código de Processo Civil, a mediação ganhou novo contorno pela previsão contida no art. 165, § 3º, o qual designa que o mediador deve atuar, preferencialmente, nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes.
A Lei de mediação, ainda, confere mais alguns contornos ao instituto, entre eles ter o considerado como meio de solução de controvérsias e atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, ressaltando a consensualidade e voluntariedade da mediação. Além disso, preconiza que a mediação tem por objetivos auxiliar, estimular e identificar ou desenvolver as soluções consensuais para o litígio.
Antes de qualquer dessas definições, a solução de conflitos pelas próprias partes por meio de terceiro imparcial e sem poder decisório já era aplicada, pois conflitos e disputas são anteriores à própria humanidade.
Para solucioná-los, diversos meios foram utilizados, como o uso da força, da violência, a negociação, a conciliação, a mediação, a arbitragem...
Ao que interessa historicamente para este estudo, segundo o que demonstram as análises históricas, é possível identificar que a mediação era adotada e utilizada em culturas judaicas, cristãs, islâmicas, indígenas, budistas etc.1
No Oriente, a mediação ocupava posição primária como forma de resolução de conflito. A título exemplificativo, no Japão a relação de ganha-perde não era aceitável e na China a aplicação da filosofia de Confúcio sobre a harmonia natural e a solução de problemas pela moral em vez da coerção se enraizaram na cultura.2
Também calcada na primazia da paz e da harmonia em detrimento de conflitos, litigância e vitória, a mediação era utilizada nas culturas de pescadores escandinavos, tribos africanas e pelos israelitas.3
Primeiramente expõe o caminho percorrido nos Estados Unidos, analisando a constância na utilização da mediação, o declínio desta e nova ascensão, representando o movimento ocorrido em diversas partes do Globo.
Os nativos norte-americanos e colonos possuíam a cultura de construção de paz como a principal forma de solução de conflito, conduzindo as disputas de modo a lidar com as questões subjacentes aos litígios e reestabelecer o relacionamento. Os próprios colonos enfatizavam a manutenção da paz, priorizando o consenso comunitário em detrimento do individualismo e da beligerância numa necessidade de se unirem diante da Coroa.4
No fim do século XVII, o aumento da população, e consequentemente o enfraquecimento do sentimento de comunidade somados à aceitabilidade do sistema da common law e a substituição da cooperação pela competitividade, bem como o desenvolvimento de indústrias e comércio em decorrência do surgimento de disputas mais complexas, construíram um cenário perfeito para a litigância e necessidade de que uma autoridade solucionasse as questões, culminando na decadência das soluções consensuais de controvérsias.5
Conforme expõe Fernanda Tartuce, nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, o direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo de propor ou contestar uma demanda.6
Mas, em contrafluxo, o crescimento e desenvolvimento das indústrias ocasionaram disputas trabalhistas que demandavam rápida e satisfatória solução a fim de evitar paralisações. Então, a mediação na seara trabalhista passou a ser utilizada pelas próprias empresas, tendo o Congresso Americano, em 1931, fundado o Departamento de Trabalho e instituído a realização de mediação pela Secretaria de Trabalho.7
Para as demais áreas, o cenário era de centralização do uso da Corte para solução de disputas, o que culminou no descontentamento generalizado e expresso, seja em razão dos custos elevados, do tempo demandado ou pela imposição externa de decisão que não satisfazia as partes.
O movimento, então, passou a ser o de resgatar os meios de solução consensual dos conflitos, entre eles a mediação.
Assim, em 1976, Frank Sander, professor de Harvard, iniciou seu discurso inovador sobre as “Variedades de Processos de Resolução de Disputas”, na Conferência Rescoe Pound, sobre Causas da Insatisfação Popular com a Administração da Justiça (Pound Conference).8
Visionário, Sander iniciou a ideia do que hoje é chamado de Tribunal Multiportas, com o visionário discurso de que os Tribunais deveriam direcionar os litígios para outros meios de solução, entre eles a mediação, e não apenas uma única “porta” de recepção de demandas.
A partir disso, os chamados meios de solução extrajudiciais, paralelos ao oferecido pelo Estado, ganharam destaque, especialmente no cenário político. Consequentemente, o idealizado pelo Frank Sander foi concretizado no setor público e após, no privado, a partir da mediação comunitária e em conflitos de família.
Paralelo ao desenvolvimento nos Estados Unidos da América, na Inglaterra a mediação ganhou destaque com a composição de conflitos entre pais e mães separados, a partir de um projeto universitário. Em pouco tempo a prática ganhou o território britânico e se espalhou por Austrália e Canadá.9
Por sua vez, na América Latina os meios adequados de solução de conflitos ganharam destaque apenas em 1990, com destaque para a Colômbia, visando a descongestionar o Poder Judiciário local, e para a Argentina, onde a mediação foi concretizada em diversos setores da sociedade, sendo hoje país referência na prática.
Dessa forma, a mediação ganhou espaço e se desenvolveu por si até alcançar o status que conhecemos do instituto.
3.O histórico normativo dos meios adequados de solução de conflitos no Brasil
Em nosso ordenamento jurídico a mediação iniciou de forma tímida, sendo prevista em diplomas legais esparsos e com destaque para a solução de conflitos na seara trabalhista.
Por muito tempo não houve regramento específico, atribuição de conceito e diferenciação entre mediação e conciliação como em nosso modelo atual, mas sua utilização como método de resolução de conflitos sempre esteve presente, revelando a intenção de implementá-la.10
Para demonstrar o caminho percorrido pela mediação em nosso ordenamento jurídico, este estudo propõe três marcos temporais: antes de 2010, quando não existia qualquer regulamentação legal sobre o tema, destacando o ano de 1995; 2010, ano do advento da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (LGL\2010\2910); e 2015, ano efusivo para os meios extrajudiciais de solução de conflitos, quando foram sancionadas as Leis 13.105/2015, 13.129/201511 e 13.140/2015.
3.1 Marcos temporais 3.1.1. Antes de 2010 No Preâmbulo de nossa Carta Magna de 1988 pode-se notar tímida inserção da importância conferida aos meios conciliatórios de solução de conflito, ao mencionar o comprometimento da sociedade com a solução pacífica das controvérsias.12 No ano seguinte, 1989, a lei que dispõe sobre o direito de greve (Lei 7.783/1989 (LGL\1989\22)), em seu art. 3º, prevê que a paralisação coletiva de trabalho é facultada se frustrada a negociação entre classes trabalhadoras e empregadoras ou, ainda, se verificada a impossibilidade de recursos via arbitral. Em 1995, o Decreto 1.572/1995 (LGL\1995\23) regulamentou a mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista, determinando que, se frustrada a negociação direta, as partes poderiam escolher mediador para realizar a composição do conflito, atribuindo ao Ministério do Trabalho a responsabilidade de manter cadastro de mediadores e estabelecendo prazo de 30 dias para a conclusão da negociação pelo mediador, salvo acordo diverso pelas partes, em previsão atemporal de nosso regramento jurídico, conforme dispõe o artigo 5º do referido Decreto. Neste mesmo ano, sobreveio a Lei 9.099/2015, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A força motriz para a criação da referida lei foi a necessidade de descongestionar os Tribunais brasileiros, buscando alterar o “paradigma social da cultura da sentença para a cultura da pacificação dos conflitos,” nas palavras de Kazuo Watanabe.13 Apesar de não tratar especificamente da mediação, a Lei dos Juizados Especiais promoveu momento e espaço adequados para o diálogo entre as partes por meio da institucionalização de momento próprio para a tentativa de conciliação. Três anos mais tarde foi realizado o primeiro relevante Projeto de Lei sobre o objeto de estudo: a mediação. De autoria da deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, o Projeto de Lei 4.827/1998 (número de tramitação da Câmara dos Deputados), contou com sete artigos, pretendendo institucionalizar e disciplinar a mediação como método de prevenção e solução consensual de conflitos, conforme sua ementa. O Projeto de Lei definiu a mediação como a “atividade técnica exercida por terceira pessoa, que, escolhida ou aceita pelas partes interessadas, as escuta e orienta com o propósito de lhes permitir que, de modo consensual, previnam ou solucionem conflitos”14. A simplicidade do projeto é condizente com a informalidade da mediação e, dada a sua importância, esmiúça o quanto apresentado naquela oportunidade. Com relação ao objeto da mediação, previa a utilização desta em toda matéria que admitisse conciliação, reconciliação, transação ou acordo. Foram especificados parâmetros para a atividade do mediador, quais sejam: capacidade e formação técnica ou experiência prática adequada à natureza do conflito e, de forma atemporal, previa o desenvolvimento da atividade por meio de pessoas jurídicas destinadas a tanto e por intermédio de pessoas físicas que atendam os parâmetros fixados. O Projeto de Lei ainda previu princípios norteadores da conduta dos mediadores, quais sejam: imparcialidade, independência, competência, diligência e sigilo. Trazia em seus parcos artigos a possibilidade de suspensão do processo para realização de mediação extrajudicial ou judicial pelo período de três meses prorrogáveis por igual período. Em mais uma demonstração de atemporalidade para seu tempo e para o escasso regramento brasileiro sobre o tema, o Projeto de Lei 4.827/98 anteviu a mediação pré-processual, com a parte requerendo ao juiz a intimação da parte contrária para comparecer à sessão de mediação judicial, sem que fosse necessário antecipar o mérito da demanda e sua pretensão. A distribuição deste requerimento não tornaria o juiz prevento, mas interromperia a prescrição e impediria a decadência. Mais tarde, no ano 2000, duas leis trabalhistas previram novamente a utilização dos meios auto compositivos para a solução de conflitos, a Lei 9.958/2000 (LGL\2000\242), que alterou o art. 625-A da Consolidação das Leis Trabalhista para prever a instituição das Comissões de Conciliação Prévia que têm o objetivo de promover a conciliação nos conflitos individuais trabalhistas, e a Lei 10.101/2000 (LGL\2000\230), a qual destina-se prever a utilização da mediação para os casos em que restassem frustradas as negociações, visando à participação nos lucros ou resultados de empresas. Em 2001, destaca-se a Lei Estadual do Mato Grosso do Sul de 2.348/2001, a qual instituiu a Justiça Comunitária no Poder Judiciário do Estado com o objetivo de intermediar os conflitos junto à própria comunidade a partir do “agente comunitário de justiça”, especialmente, mas não somente atribui a atuação como mediador na composição dos conflitos da comunidade. No ano seguinte, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios emitiu a Resolução 02/2002, instituindo o Programa de Estímulo à Mediação, que contou com o Serviço de Mediação Forense, setor judicial utilizado a critério do juiz, que teria a função de designar mediador, data e local para realização das sessões. A referida Resolução do Tribunal de Justiça foi motivada pelo resultado internacional positivo do uso da mediação vinculada aos Tribunais, pelo seu custo menor quando comparada aos processos judiciais tradicionais e por esse ser um método autocompositivo moderno e eficaz. Ainda, previu a atribuição de responsabilidades aos mediadores, como a de manter a neutralidade, imparcialidade e o dever de confidencialidade das informações obtidas nas sessões de mediação, aplicando os motivos de impedimento e de suspeição previstos no Código de Processo Civil e vedando o testemunho do mediador em juízo sobre os fatos conhecidos a partir das sessões de mediação. 3.1.2 A Mediação no ano de 2010 Em meio à crise do Poder Judiciário relacionada ao elevado números de processos pendentes, demandas repetitivas e aumento da judicialização dos conflitos, o cenário nacional tornou-se favorável à exploração de possibilidades de solução de conflitos por outros eficientes meios. Além do cenário caótico e pouco eficiente do Judiciário, outras razões pautaram a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (LGL\2010\2910), como a mudança de paradigma sobre o direito constitucional de acesso à justiça, também encabeçada pelo Professor Kazuo Watanabe, o qual não mais significaria a possibilidade dos conflitos serem analisados pelo Poder Judiciário e sim o acesso à ordem jurídica justa. Sendo a mediação e conciliação instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, também são meios garantidores do direito constitucional do acesso à justiça. Ainda, por consequência, os institutos se mostraram eficazes para diminuição da excessiva judicialização de conflitos, da quantidade de recursos e execuções de sentença, reduzindo o número de processos. Assim, em 2010, latente a necessidade de se consolidar uma política permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de controvérsias, por iniciativa do Professor Kazuo Watanabe, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça a Resolução 125/2010, dispondo sobre “a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciais”, conforme ementada. Nas palavras do mentor da Resolução: “O objetivo primordial que se busca com a instituição de semelhante política pública é a solução mais adequada dos conflitos de interesses, pela participação decisiva de ambas as partes na busca do resultado que satisfaça seus interesses, que preservará o relacionamento delas, propiciando a justiça consensual. A redução do volume de serviços do Judiciário é mera consequência desse importante resultado social.”15 Entre outros grandes feitos dessa iniciativa inovadora, como estimular, apoiar, difundir e aprimorar a conciliação e mediação, podemos destacar o reconhecimento de que o tratamento adequado de conflitos é pauta pública. Dessa forma, a Resolução atribui ao Judiciário o dever de implantação e gerenciamento dos chamados meios adequados de solução de conflitos. Como registrou Francisco José Cahali: “A perspectiva sob a qual foi traçada a Resolução leva em conta o fato de ser atribuído ao Poder Judiciário a função de garantir acesso à justiça, como prestador de serviço público essencial à sociedade, indispensável à cidadania, necessário à solidificação da democracia e imprescindível ao Estado de Direito.”16 Destaca-se, também, a preocupação em organizar e uniformizar os procedimentos e serviços de conciliação e mediação perante o Poder Judiciário para assegurar a adequada execução dessas atividades, criando, para tanto, os CEJUSCs – Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, que hoje possuem atividade essencial à justiça, principalmente após o advento do Código de Processo Civil. O chamado “Tribunal Multiportas”, idealizado por Frank Sander nos Estados Unidos da América, ganhou destaque no Brasil por meio da Resolução 125/2010, sendo o Sistema pelo qual o Estado dispões à sociedade alternativas para se buscar a solução de seus conflitos para além do tradicional acesso ao Judiciário via distribuição de ação. Tem-se, então, o primeiro marco legal para o desenvolvimento da mediação no Brasil. 3.1.3. Mudanças ocorridas em 2015 O ano de 2015 foi, certamente, o mais efusivo e incentivador dos meios de solução adequados de conflitos, alternativos ao mero direito de ação junto ao Judiciário. Neste ano foram sancionados o Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), a Reforma à Lei de Arbitragem (Lei 13.129/2015 (LGL\2015\3780)) e a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771)). O Código de Processo Civil trouxe ainda maior notoriedade para a mediação em razão deste diploma legal dispor sobre os conciliadores e mediadores judiciais e delimitar a atuação da mediação, prevendo a aplicação do instituto como método de solução consensual de conflitos em qualquer fase do processo civil. Mais do que disciplinou a aplicação e momento, o Código de Processo anunciou mudança da mentalidade do processo civil, valorizando a mediação em diversos aspectos, e atribuindo a todos os envolvidos no processo judicial, como o Estado (art. 3º, § 2º), juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público (art. 3º, § 3º), a responsabilidade de promover e estimular a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos. Como o dispositivo legal se destina a regular as normas processuais civis, as disposições sobre mediação são voltadas em sua grande maioria para o contexto judicial. Por sua vez, a Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771) objetivou dispor sobre mediação como meio alternativo de solução de controvérsias entre particulares e no âmbito da Administração Pública, bem como buscou uniformizar e compatibilizar os dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 e da Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (LGL\2010\2910), e, ainda, regular os pontos não contemplados pelos referidos diplomas. Seus dispositivos voltam-se à mediação extrajudicial, apesar de também trazer disposições sobre a judicial e serem as características, princípios, modelos e técnicas comuns a ambas. A referida Lei foi organizada em três capítulos, quais sejam: 1. Da mediação, contendo disposições gerais e regras sobre os mediadores (disposições comuns à mediação judicial e extrajudicial), previsões sobre o procedimento de mediação extrajudicial e judicial, bem como sobre a importante confidencialidade que é inerente à mediação e às hipóteses em que esta é excetuada; 2. Da autocomposição de conflitos em que a parte for pessoa jurídica de Direito Público; e 3. Disposições finais.
4.A mediação no direito positivo brasileiro atual
Após o estudo detalhado sobre o caminho percorrido pelo instituto da mediação na legislação brasileira, passa esse estudo a se debruçar sobre o cenário normativo atual da medição, os parâmetros adotados para a atividade de mediador, bem como as disposições que regulam e certamente fortalecem tal instituto.
Apesar da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (LGL\2010\2910) ter sido muito relevante para a introdução, conhecimento, disseminação do instituto, esta teve como objetivo dispor, como propriamente ementada, sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no Poder Judiciário, e não propriamente regulou a mediação.
Por este motivo, neste capítulo serão analisados os textos normativos específicos, quais sejam: a Lei de Mediação e o Código de Processo Civil.
4.1.Lei 13.105/2015 – Código de Processo Civil O Código de Processo Civil se dedica, em síntese, a disciplinar a atuação dos sujeitos processuais em juízo.17 Dado o momento de sua elaboração e promulgação, impossível ignorar o advento da mediação como forma autocompositiva e eficaz de solução de conflitos e, ainda, considerando seu status de pauta pública atribuído pela Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (LGL\2010\2910). Desta forma, ao regulamentar o processo civil nacional, tratou o texto legal de regrar a mediação com maior ênfase à judicial e sua aplicação em ritos específicos, como nas ações possessórias e de família, tendo disposições gerais sobre o instituto e específicas que somam ao constante na Lei de Mediação, analisada no próximo subtópico. Com a leitura de seus primeiros artigos, constata-se que o Código de Processo Civil adota a postura de conscientizar e incentivar a adoção dos métodos autocompositivos para a solução de controvérsias, instituindo que cabe ao Estado a promoção das soluções consensuais de conflito e aos juízes, advogados, defensores público e membros do Ministério Público o estímulo à utilização da mediação e conciliação, inclusive no curso do processo. Na seção V do capítulo III, “Dos conciliadores e mediadores judiciais”, constam as disposições gerais sobre a mediação. De forma inédita, o Código de Processo Civil diferencia a atividade do conciliador e do mediador, dispondo que o mediador atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes e que a sua atuação deve ser voltada ao auxílio das partes a compreenderem suas questões e interesses em conflito para que alcancem o reestabelecimento de sua comunicação e identifiquem soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. O conciliador, por sua vez, atuará preferencialmente quando não houver vínculo entre as partes e a sua atuação pode ser voltada para a sugestão de soluções. Importante mencionar que o Capítulo III, onde está incluída a referida Seção, tem o título de “Do Juiz e Auxiliares da Justiça”, tendo o Código de Processo Civil, então, incluído os mediadores e conciliadores como auxiliares da justiça. A esses foram atribuídos diversos deveres, tal como o sigilo sobre os fatos ou elementos obtidos nas sessões de mediação, o qual é estendido aos membros de sua equipe. Como consequência há a impossibilidade dos mediadores e conciliadores deporem como testemunha da lide que acompanharam e o impedimento para exercerem advocacia nos juízos em que desempenham a função de mediação ou conciliação. Ainda, a legislação federal, em seu artigo 173, tratou de elencar motivos para exclusão dos mediadores do cadastro dos Tribunais, orientando quanto à conduta esperada por estes. O Código de Processo Civil, em seu artigo 167, reiterando norma expressa da Resolução 125/2010, do CNJ (LGL\2010\2910) aduz que os profissionais e as Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação devem ser inscritos em Cadastro Nacional e dos Tribunais que pretendem atuar, a partir da apresentação do certificado de capacitação. Em outra repetição à referida Resolução, esta constante do artigo 165, o Códex determina que os Tribunais criarão Centros Judiciários de solução consensual de conflitos, designando que estes sejam responsáveis pelas sessões de mediação e desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. O cadastro dos profissionais e das Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação será realizado a partir da apresentação do certificado de capacitação. Para a aplicação dos métodos consensuais de solução de conflito no âmbito administrativo, a União, Distrito Federal, Estados e Municípios criarão câmaras, com as funções de dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública, avaliar o objeto dos conflitos quanto à possibilidade de resoluções destas por meio de conciliação e promover a celebração de termo de ajustamento de conduta, conforme dispõe o artigo 174 do Código de Processo Civil. Relevante destacar que o Código de Processo Civil pontuou os princípios que informam a conciliação e mediação, sendo eles: o princípio da informalidade, da independência, imparcialidade, da oralidade, confidencialidade, da autonomia da vontade e decisão informada. Após dispor de forma concentrada sobre a mediação, o Código de Processo inclui menções esparsas, demonstrando que este meio de solução adequada para o conflito coaduna com diversas fases do processo civil e diversos ritos. Como principais meios de inclusão e visibilidade proporcionados pelo Código de Processo Civil, a mediação e conciliação passaram a figurar como etapa inicial do processo (artigos 334 e seguintes) sempre que uma das partes assim optar. A opção do autor pela realização da audiência de mediação ou conciliação no início do processo é requisito da petição inicial, conforme artigo 319, VII, do referido dispositivo legal. A partir da fixação desta audiência, nota-se alterações em todo o rito ordinário enunciado pelo Código de Processo, como na contagem do termo inicial do prazo para apresentação de contestação (artigo 335, I e II). Para os ritos especiais, o Código de Processo Civil faz menções específicas ao emprego da mediação, merecendo destaque a previsão da designação de sessão de mediação no litígio coletivo pela posse de imóvel velha, ou seja, ocorrida há mais de ano e dia (artigo 565) e nos casos de liminar concedida e não executada no prazo de um ano da distribuição do processo (artigo 565, § 1º). As ações de família tiveram destaque e estímulo maior da legislação processual para a utilização da mediação como forma de solução consensual de conflitos, uma vez que expressamente constou do Código de Processo Civil a possibilidade de divisão das sessões de mediação em tantas quanto forem necessárias e da suspensão do processo enquanto as partes estiverem em mediação extrajudicial em qualquer tempo do processo (artigos 694, parágrafo único, e 696). Disposição igualmente especial ao Direito de Família está contida no artigo 695, § 1º, o qual prevê que o mandado de citação não deve estar acompanhado da cópia da petição inicial como forma de impedir o aumento do conflito a partir das alegações, razões e pedidos trazidos na exordial.
4.2.Lei 13.140/2015 – Lei de Mediação A Lei de Mediação – Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771), se propõe a dispor sobre a mediação como solução de controvérsias entre particulares e no âmbito da administração pública por meio de três capítulos: Da mediação, Da autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público e Disposições Finais. O capítulo I é dividido em quatro seções: disposições gerais, disposições sobre mediadores, procedimento de mediação e confidencialidade e suas exceções e o capítulo II é dividido em duas seções: disposições comuns e dos conflitos envolvendo a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações. Essa traz alguns conceitos mais detalhados e específicos à mediação como instituto, além do previsto pelo Código de Processo Civil, que tem como objetivo regular a atuação dos sujeitos em juízo. Primeiramente, destaca-se o conceito de mediação, trazendo o instituto como atividade técnica exercida por terceiro imparcial que não tem poder decisório e que tem a função de auxiliar e estimular as partes a identificar ou desenvolver soluções consensuais para suas controvérsias. A mediação é orientada pelos princípios da imparcialidade, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé, conforme disposto nos incisos do artigo 2º da referida Lei. A autonomia da vontade é reforçada no § 2º do artigo 2º da Lei de Mediação, ao regular que: “Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação”. Entretanto, sendo a autonomia da vontade princípio irrefutável deste meio de solução de controvérsia, indispensável que no ato de contratação entre as partes haja a cláusula de mediação, por meio da qual as partes se comprometem à submissão de sessões de mediação para dirimir qualquer conflito oriundo de sua relação contratual. Há, no entanto, a obrigatoriedade do comparecimento na primeira sessão, sendo que isso não viola o acesso ao Judiciário e nem tampouco a voluntariedade inerente ao instituto. Analisando o objeto de mediação, a Lei bem pontua que podem ser submetidos à mediação os conflitos que versarem sobre direitos disponíveis, ou sobre direitos indisponíveis, mas transigíveis, sobre os quais é indispensável a homologação em juízo com a oitiva do Ministério Público. Exemplificando, a indenização por danos morais é direito disponível, enquanto a regulamentação de visitas dos filhos menores é direito indisponível que admite transação, devendo ser homologada em juízo com a oitiva do Ministério Público. Quanto aos mediadores, a Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771) dispõe primeiramente do que é comum aos mediadores extrajudiciais e judiciais, para depois tratar em separado. A atuação do mediador, independentemente da atuação extrajudicial ou judicial, é a forma de designação do mediador, qual seja, a escolha pelas partes ou designado pelo Tribunal, sua função e as regras de impedimento e suspensão. O mediador tem a função de conduzir o procedimento de comunicação entre as partes com o objetivo de buscar o entendimento e consenso entre elas para facilitar a resolução do conflito. Tendo em vista a necessidade do respeito à imparcialidade do mediador e isonomia entre as partes, o mediador, tal como o árbitro, tem o dever de revelar às partes qualquer fato ou circunstância que possa suscitar dúvida em relação à sua imparcialidade, podendo as partes recursarem ou aceitarem a sua atuação. Necessário também que o profissional não tenha vínculos mais estreitos com uma ou outra parte. Assim, designou-se a aplicação das regras de impedimento e suspensão do juiz dispostas nos artigos 144 e 145 do Código de Processo Civil. Como consequência da atividade e do acesso às informações privilegiadas e particulares em razão das sessões realizadas com as partes, ao mediador são impostos alguns outros impedimentos, como o de assessorar, representar ou patrocinar o interesse de qualquer das partes pelo prazo de um ano contado do término da última sessão que atuou. Também está o mediador impedido de atuar como árbitro ou ser testemunha de conflitos que tenha atuado nesta qualidade. A fim de garantir a responsabilidade necessária esperada dos mediadores, tendo em vista o conteúdo a que têm acesso e a relevância de sua atuação, a Lei de Mediação equipara o mediador e todos aqueles que o assessoram, quando no exercício de sua função ou em razão dela, a servidores públicos para efeitos da legislação penal. Para a atuação extrajudicial, é exigido que o mediador seja pessoa capaz, tenha confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, não sendo exigido especificamente nenhum comprovante de capacitação. O medidor judicial, por sua vez, deve ser graduado há pelo menos dois anos e ser capacitado por escola ou instituição de mediadores reconhecida pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, ou pelos Tribunais, observados também os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça. As disposições sobre o procedimento de mediação trazidas pela Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771) tratam de expressiva inovação legislativa. Entretanto, persiste o caráter informal da mediação, assim como a liberdade da atuação profissional ou mesmo das entidades privadas que oferecem a mediação, não tendo a previsão legal função de engessar o procedimento, devendo as regras ser interpretadas como diretrizes. Primeiramente, no que tange às disposições comuns, preocupa-se o legislador com a primeira reunião, onde deve ser explicado às partes as regras de confidencialidade e a necessidade do agendamento consentido das próximas sessões. A mediação é considerada instituída na data da primeira sessão, sendo que, enquanto essa transcorrer, fica suspenso o prazo prescricional e o processo judicial ou arbitral, caso esteja em curso. Também são tratados os trâmites finais da mediação, a qual se encerra com um termo final independentemente da realização de acordo, o que pode ser feito a partir de declaração do mediador no sentido de encerrar o procedimento ou por manifestação das partes pela não continuidade. Se o termo final anunciar a celebração de acordo, este terá força de título executivo extrajudicial e, com a homologação deste pela via judicial, constituirá título executivo judicial, tendo esta previsão conferido relevante e prudente status aos acordos firmados nas sessões de mediação. Prevista ainda a comediação, técnica de mediação onde dois ou mais mediadores atuam no mesmo procedimento, sendo essa admitida sempre que houver requerimento das partes ou for recomendado pelo próprio mediador em razão da natureza e da complexidade do conflito. No cenário extrajudicial, ante a já mencionada informalidade da utilização da mediação como meio de solução de conflitos e dos regulamentos das instituições privadas regulamentarem o próprio trâmite, a Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771) se dedicou a regular a instituição da mediação, os requisitos para elaboração de cláusula contratual de mediação e a forma de instituição desta nos casos em que a cláusula for omissa – ou, utilizando termo da arbitragem, vazia. Para que seja iniciado o procedimento de mediação extrajudicial, existente previsão em contrato ou não, a parte interessada deve encaminhar convite devendo informar o propósito, o objeto do conflito, bem como designar data e local da primeira reunião. Não há qualquer formalidade para o encaminhamento do convite, entretanto, recomenda-se que assim seja por algum meio que possibilite a comprovação de seu recebimento, pois se não respondido em 30 dias contados a partir de seu recebimento, o convite será considerado rejeitado. Caso as partes queiram firmar cláusula contratual de submissão de eventuais conflitos ao procedimento de mediação, devem ser observados os requisitos constantes do artigo 22, I a IV, da Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771), quais sejam: a previsão de prazo máximo e mínimo para realização da primeira sessão de mediação a partir do recebimento do convite, o local da primeira sessão, os critérios de escolha do mediador e a penalidade em caso de não comparecimento à primeira reunião ou, em substituição a estas, deve ser indicada instituição privada que tenha por objeto prestar serviço de mediação. Se houver omissão da previsão contratual, são instituídos quatro parâmetros legais para suprir eventuais lacunas. A lei propõe que o prazo mínimo seja de 10 dias úteis e o prazo máximo seja de três meses contados a partir do recebimento do convite e que o local seja adequado a uma reunião com informações confidenciais (art. 22, § 2º, I e II). A fim de garantir a seriedade e o compromisso da parte que institui a mediação como forma de solução de conflito em contrato, a lei propõe como punição para a parte que, convidada, deixa de comparecer à primeira sessão, a assunção de 50% das custas e honorários sucumbenciais caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou processo judicial que verse sobre a matéria que seria objeto da mediação, caso não haja outra disposição pelas partes (art. 22, § 2º, IV). Ressalta-se que a cláusula contratual submetendo eventuais litígios à mediação pode ser utilizada para prever que os conflitos sejam submetidos primeiramente à mediação e, se frustrado o meio consensual ou decorrido certo prazo, número de sessões, que os conflitos sejam decididos por arbitragem, dispute board, pelo Judiciário. Quanto ao procedimento da mediação judicial, a Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771) reitera previsão contida no Código de Processo Civil e na Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (LGL\2010\2910), atribuindo aos tribunais a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos responsáveis pelas sessões de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais e desenvolvimento de programas de estímulo à autocomposição. Neste tipo de mediação, em razão de ser realizada junto ao Poder Judiciário e normalmente pelo sistema de distribuição, a parte não escolhe ou aceita o mediador. A mediação judicial ocorrerá em todos os processos em que os requisitos essenciais forem preenchidos e não for caso de improcedência liminar do pedido, sendo prudente ressaltar, apesar de não constar do texto de lei, a atuação de mediadores preferencialmente nos processos em que houver vínculo anterior entre as partes, conforme determina o Código de Processo Civil em seu artigo 165, § 3º. Nos outros casos, deve ser feito o encaminhamento para a conciliação. Outra exigência para a realização da mediação judicial é a presença de advogados ou defensores públicos. Em seu artigo 28, a Lei de Mediação (13.140/2015) estipula o prazo de 60 dias para conclusão da mediação, podendo as partes, de comum acordo, requererem a sua prorrogação. Como estímulo às tratativas e alcance do acordo, em seu artigo 29, a Lei de Mediação prevê que não serão devidas custas judiciais finais se o conflito for solucionado em mediação antes da citação do réu. Independentemente do tempo em que ocorrer o acordo, este poderá ser homologado pelo juiz a requerimento das partes e o processo será arquivado. Ante a sua relevância na mediação, a confidencialidade ganhou destaque em seção própria, restando determinado pela Lei que não estão abrigadas pela regra da confidencialidade as informações relativas à ocorrência de crime de ação pública e informações à administração tributária após o termo final de mediação. Quanto às demais informações obtidas nas sessões de mediação, o mediador, as partes, seus prepostos, advogados, assessores técnicos e outras pessoas de sua confiança que tenham participado, direta ou indiretamente, da mediação, têm o dever de confidencialidade, não podendo ser reveladas nem mesmo em processos judiciais ou procedimentos arbitrais, salvo se as partes expressamente decidirem de forma contrária, a divulgação for exigida por lei ou necessária para o cumprimento do acordo obtido na mediação. O penúltimo capítulo da Lei de Mediação versa sobre a autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público, se subdividindo em disposições comuns e disposições sobre conflitos envolvendo a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações. Para que sejam dirimidos conflitos entre órgãos e entidades da administração pública e avaliada a admissibilidade de resolução de conflitos entre particulares e pessoa jurídica de direito público, a União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar Câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos. Enquanto estas não são criadas, a estes conflitos serão aplicadas as disposições comuns sobre o procedimento da mediação dispostos nos artigos 4º a 8º da Lei de Mediação. Igualmente ao quanto exposto de forma geral na lei, a instauração de procedimento administrativo para resolução consensual de conflito no âmbito da administração pública suspende a prescrição. Entretanto, para o caso específico dos conflitos relativos à administração pública, é considerado instaurado o procedimento quando há juízo de admissibilidade do órgão ou entidade publica responsável, retroagindo esta data à de formalização do pedido de resolução consensual do conflito. Os conflitos envolvendo a Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações só poderão ser objeto de transação por adesão e com fundamento em autorização do Advogado Geral da União, com base em jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou tribunais superiores ou parecer do Advogado-Geral da União aprovado pelo Presidente da República. Além das demais previsões específicas da Lei de Mediação, é imprescindível que a administração pública se atente aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme o artigo 37 da Constituição Federal. Em suas disposições gerais, a Lei de Mediação permite que seja criado banco de dados sobre as boas práticas em mediação e relação de mediadores e instituições privadas, bem como que sejam criadas câmaras por órgãos e entidades da administração pública para solução de conflitos entre particulares que versem sobre as atividades por eles reguladas e supervisionadas. Ainda, determina a aplicação da Lei às outras formas consensuais de resolução de conflitos, excetuando a medição na relação de trabalho, que deverá ser regulamentada por lei específica. Por meio de seus 48 artigos, a Lei de Mediação conseguiu trazer regulamentação da matéria, o que lhe confere seriedade, visibilidade e segurança para a utilização deste meio de solução de conflito pelas partes, sem perder de vista a informalidade e o caráter voluntário inerente ao instituto da mediação e ressaltando seu objetivo, qual seja resgatar a comunicação entre as partes para que ocorra diálogo diferente do decorrente do conflito,18 mais do que alcançar a composição, o que se torna consequência da cooperação e diálogo entre as partes.
5.Conclusão
Partindo do pressuposto de que os envolvidos sabem a melhor forma de solucionar seus litígios, buscam suas necessidades e que, em tempos conflituosos, o diálogo e a comunicação não conseguem se desenvolver para que as partes alcancem uma solução, nada mais razoável do que um terceiro imparcial e neutro que tenha o objetivo de viabilizar a conversa entre as partes, para que estas alcancem soluções viáveis e resolutivas.
O contexto mencionado é o visualizado pelo instituto da mediação, tendo surgido primeiramente como um meio alternativo ao cenário de crise do Poder Judiciário e da insatisfação gerada por decisões impostas, que muitas vezes não satisfazem nenhuma das partes envolvidas.
Atualmente a utilização da mediação, assim como a conciliação, arbitragem, dispute board, recebem tratamento mais apropriado, sendo reconhecidos como meios adequados de solução de conflitos.
Em um primeiro momento, até que se constasse a relevância pública do tema, os meios consensuais de solução de conflito, com maior ênfase à conciliação, eram previstos de forma tímida em legislações esparsas.
Somente neste estudo demonstrou-se o percurso do instituto por 27 anos até que houvesse definitivamente regulamentação específica para o tema.
E, apesar de o instituto se autorregular, legislar especificamente sobre a mediação traz visibilidade e segurança para sua utilização, confere ordem à atividade do mediador, institui regras básicas para que a mediação não perca sua essência e continue firme em seus princípios e propósitos, sem perder de vista sua informalidade.
Nestes aspectos, tem-se como positivo o advento da Lei de Mediação (Lei 13.140/2015 (LGL\2015\4771)) e das previsões e preocupações com o instituto no Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), servindo o contexto histórico e a experiência internacional como base para o atual cenário nacional.
Ressalta-se os grandes avanços em direção à institucionalização e popularização da mediação como efetivo método de solução de conflito a partir da implementação desta como forma de solução de conflitos em escolas, com o estudo da temática pela doutrina e ensino quanto à mediação e outros meios extrajudiciais nos cursos de graduação em Direito, formando futuros advogados, juízes, defensores públicos e promotores mais que meros litigiosos: verdadeiros solucionadores de conflitos.
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1 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. São Paulo: Método, 2015. p. 180. 2 Idem. 3 TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 180. 4 TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 181. 5 Idem. 6 TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 181. 7 TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 182-183. 8 TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 183. 9 TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 185. 10 BRAGA NETO, A. Mediação nos conflitos e legislação brasileira. Valor Econômico, Caderno E2, set. de 2004; TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 254. 11 Lei que alterou e ampliou a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996 (LGL\1996\72)), excepcional para o destaque dos meios extrajudiciais de solução de conflitos, mas não destinada a tratar da mediação. 12 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” 13 WATANABE, K. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: Estudos em homenagem à Professora Ada Pelegrini Grinover. São Paulo: DPJ Ed., 2005. 14 COBRA, Z. Projeto de Lei 4.827/1998 – Câmara dos Deputados. Institucionaliza e disciplina a mediação, com método de prevenção e solução consensual de conflitos, 10.11.2018. Disponível em: [www.camara.leg.br/porposicoesWeb/fichadetramitacap?idProposicao=21158]. Acesso em: 25.05.2019. 15 WATANABE, K. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: Estudos em homenagem à Professora Ada Pelegrini Grinover. São Paulo: DPJ Ed., 2005; CAHALI, F. Curso de arbitragem: mediação, conciliação, tribunal multiportas. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018. p. 65. 16 CAHALI, F. Curso de arbitragem: mediação, conciliação, tribunal multiportas. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018. p. 66. 17 TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 266. 18 BRAGA NETO, A. Mediação: uma experiência brasileira. São Paulo: CLA, 2017. p. 89.




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